quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Algum dos senhores já tentou convencer uma mulher...
OS VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio nº 15










Como começara o caso? Nem sabia. Era o comandante, naturalmente tratara com eles e reparara nela, admirava sua beleza e em silêncio a desejara. Mas era grande a diferença de idade, ela apenas completara vinte e cinco anos. Conversavam muito, isso sim.

Ele contava-lhe do mar, de tempestades e bonanças, de sua intimidade com as estrelas. Quando descia da ponte de comando, noite alta, encontrava-a sozinha, junto à amurada. Falavam de uma coisa e outra, os olhos dela a fitá-lo, como se o quisesse adivinhar. E certa noite, sem saber como nem por que, encontrou-se com ela entre os braços.

Sendo comandante, não tinha direito de fazê-lo, essa é a verdade. Quando desembarcado num porto, pode um capitão de longo curso entregar-se à orgia mais completa, ao bacanal mais devasso. No comando do seu navio, porém, deve comportar-se como um santo, superior a qualquer tentação . . .

- E elas não faltam . . .

Dorothy passeava na sala, seu esguio corpo, sua inquieta boca, seu ardente desejo. Os aposentados e retirados dos negócios a viam e desejavam.

- E o senhor, Comandante, papou-a?

O verbo chulo desagradou ao comandante. Fora amor, um amor nunca visto, incomensurável e absurdo, tomando-o todo, deixando-o como louco, desde o momento em que a prendeu em seus braços e provou o gosto de sua boca.

Mas, era o comandante, jamais sua carreira, seus quarenta anos de embarcado, toldara-se com a mais pequena mancha, e não podia, não podia. . . Assim lhe disse, os olhos húmidos, ele que nunca chorara em toda sua vida.

Algum dos senhores já tentou convencer uma mulher, fazê-la compreender a mais clara das situações?

Dorothy, ainda mais apaixonada que ele, necessitando dele, disposta a suicidar-se, a atirar-se no mar, se ele não a quisesse, chegou ao cúmulo de, certa madrugada, em trajes de dormir, subir ao tombadilho reservado aos oficiais e chamar na porta de sua cabine.

Vestida com a camisola de noite, vaporosa, toda em rendas, mal escondendo a carne ansiosa, Dorothy, os pés descalços, corria entre eles pela sala, Adriano Meira passava a língua nos lábios.

- Aí o senhor não resistiu . ..

Não o conheciam bem, sua inflexibilidade no cumprimento do dever. Resistira. Jogou-lhe sobre os ombros nus a camisola decotada, o colo à mostra, viam o começo dos seios palpitantes, (Augusto Ramos suspirou) uma capa impermeável, levou-a de volta quase à força.

 Foi naquela hora dramática, entre o dever e o amor, ela semi-desmaiada em seus braços, que ele lhe prometeu desembarcar no primeiro porto e partir com ela para sempre. Para um canto escondido do mundo. Houve um beijo apenas ante o mar imenso.

Apresentou sua demissão, por cable. Da companhia vieram pedidos, solicitações, propostas de aumento de ordenado, os armadores em pânico: seu nome era cercado de certo respeito e de certa fama pelos mares afora, entre os marujos e os armadores.

 Não cedeu, era homem de palavra e estava apaixonado. No primeiro porto, Makassar, perdido e sujo porto do Extremo-Oriente, despediu-se da tripulação.

Choravam velhos marujos de rosto curtido, ao apertar-lhe a mão leal. Havia marcado um encontro com Dorothy na casa de uma certa Carol, contrabandista de ópio, a quem tivera ocasião de fazer um favor.

Inutilmente o marido a esperara, seguiu viagem sozinho.

Foram duas semanas de delírio, escondidos numa pequena casa nos confins da cidade, em plena selva tropical, entregues ao seu ai numa fúria de danados, como se adivinhassem . . .

- O marido apareceu?

Que importava o marido, um bobalhão! Chamava-se Rober e o comandante desprezava-o, não chegara a se preocupar com ele em todo o desenrolar dos acontecimentos.

Balofo e fátuo, pensando comprar o amor e a fidelidade de Dorothy com o casamento e o dinheiro. Não, o marido não contava. A febre, sim. Aquela febre das ilhas, mortal. Em dois dias acabou com Dorothy e com a carreira de comandante.

 Como poderia retornar ao comando dos navios, aos mares, se mesmo ali, naquele porto de Makassar, não podia deixar sequer por um momento, de ver os olhos de Dorothy, aqueles olhos angustiados, enormes de febre, a fitá-lo, como se ele pudesse salvá-la.

A boca torcida, a suplicar-lhe que não a deixasse morrer quando ela encontrara enfim a alegria de viver. Não pôde morrer com ela, como desejara e rogara aos céus. 

Andara como doido uns tempos, entregara-se ao ópio, choviam-lhe propostas armadores de toda a parte, regressou à sua terra.

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