Algum dos senhores já tentou convencer uma mulher... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio nº 15
Como começara o caso? Nem sabia. Era o comandante, naturalmente tratara com eles e reparara nela, admirava sua beleza e em silêncio a desejara. Mas era grande a diferença de idade, ela apenas completara vinte e cinco anos. Conversavam muito, isso sim.
Ele contava-lhe do mar, de tempestades e
bonanças, de sua intimidade com as estrelas. Quando descia da ponte de comando,
noite alta, encontrava-a sozinha, junto à amurada. Falavam de uma coisa e
outra, os olhos dela a fitá-lo, como se o qui sesse
adivinhar. E certa noite, sem saber como nem por que, encontrou-se com ela
entre os braços.
Sendo comandante, não tinha direito de
fazê-lo, essa é a verdade. Quando desembarcado num porto, pode um capitão de
longo curso entregar-se à orgia mais completa, ao bacanal mais devasso. No
comando do seu navio, porém, deve comportar-se como um santo, superior a
qualquer tentação . . .
- E elas não faltam . . .
Dorothy passeava na sala, seu esguio
corpo, sua inqui eta boca, seu
ardente desejo. Os aposentados e retirados dos negócios a viam e desejavam.
- E o senhor, Comandante, papou-a?
O verbo chulo desagradou ao comandante.
Fora amor, um amor nunca visto, incomensurável e absurdo, tomando-o todo,
deixando-o como louco, desde o momento em que a prendeu em seus braços e provou
o gosto de sua boca.
Mas, era o comandante, jamais sua
carreira, seus quarenta anos de embarcado, toldara-se com a mais pequena
mancha, e não podia, não podia. . . Assim lhe disse, os olhos húmidos, ele que
nunca chorara em toda sua vida.
Algum dos senhores já tentou convencer
uma mulher, fazê-la compreender a mais clara das situações?
Dorothy, ainda mais apaixonada que ele,
necessitando dele, disposta a suicidar-se, a atirar-se no mar, se ele não a qui sesse, chegou ao cúmulo de, certa madrugada, em
trajes de dormir, subir ao tombadilho reservado aos oficiais e chamar na porta
de sua cabine.
Vestida com a camisola de noite,
vaporosa, toda em rendas, mal escondendo a carne ansiosa, Dorothy, os pés
descalços, corria entre eles pela sala, Adriano Meira passava a língua nos
lábios.
- Aí o senhor não resistiu . ..
Não o conheciam bem, sua inflexibilidade
no cumprimento do dever. Resistira. Jogou-lhe sobre os ombros nus a camisola
decotada, o colo à mostra, viam o começo dos seios palpitantes, (Augusto Ramos
suspirou) uma capa impermeável, levou-a de volta quase à força.
Foi naquela hora dramática, entre o dever e o
amor, ela semi-desmaiada em seus braços, que ele lhe prometeu desembarcar no
primeiro porto e partir com ela para sempre. Para um canto escondido do mundo.
Houve um beijo apenas ante o mar imenso.
Apresentou sua demissão, por cable. Da
companhia vieram pedidos, solicitações, propostas de aumento de ordenado, os
armadores em pânico: seu nome era cercado de certo respeito e de certa fama
pelos mares afora, entre os marujos e os armadores.
Não cedeu, era homem de palavra e estava
apaixonado. No primeiro porto, Makassar, perdido e sujo porto do Extremo-Oriente,
despediu-se da tripulação.
Choravam velhos marujos de rosto
curtido, ao apertar-lhe a mão leal. Havia marcado um encontro com Dorothy na
casa de uma certa Carol, contrabandista de ópio, a quem tivera ocasião de fazer
um favor.
Inutilmente o marido a esperara, seguiu
viagem sozinho.
Foram duas semanas de delírio,
escondidos numa pequena casa nos confins da cidade, em plena selva tropical,
entregues ao seu ai numa fúria de danados, como se adivinhassem . . .
- O marido apareceu?
Que importava o marido, um bobalhão!
Chamava-se Rober e o comandante desprezava-o, não chegara a se preocupar com
ele em todo o desenrolar dos acontecimentos.
Balofo e fátuo, pensando comprar o amor
e a fidelidade de Dorothy com o casamento e o dinheiro. Não, o marido não contava.
A febre, sim. Aquela febre das ilhas, mortal. Em dois dias acabou com Dorothy e
com a carreira de comandante.
Como poderia retornar ao comando dos navios,
aos mares, se mesmo ali, naquele porto de Makassar, não podia deixar sequer por
um momento, de ver os olhos de Dorothy, aqueles olhos angustiados, enormes de
febre, a fitá-lo, como se ele pudesse salvá-la.
A boca torcida, a suplicar-lhe
que não a deixasse morrer quando ela encontrara enfim a alegria de viver. Não
pôde morrer com ela, como desejara e rogara aos céus.
Andara como doido uns tempos,
entregara-se ao ópio, choviam-lhe propostas armadores de toda a parte,
regressou à sua terra.
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