Ananias arrombou a porta da alcova com um pontapé... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 7
Primeiro: mesmo as melhores e mais puras
intenções podem ser mal interpretadas.
Segundo: não se deve confiar nos
horários, por mais rígidos, nem sequer nos horários militares.
As intenções referem-se ao estudante, os
horários ao brioso oficial da Polícia Militar. A Ruth referia-se a solidão das
tardes calorentas, o langor do tempo vazio, a necessidade de consolo moral.
Era uma beleza de sumarento amadurecer, olhos
de longos cílios melancólicos, aflito corpo ao sol da praia, em queixumes: de
que adiantava ter marido se não tinha companhia nas tardes paradas de Periperi?
Almoçava às dez da manhã o tenente-coronel,
saía correndo para pegar o trem, era rígido o horário em sua corporação. Só
quase às sete da noite chegava de volta, metia-se num pijama, jantava,
sentava-se à porta, numa espreguiçadeira, a cochilar.
Era isso ter marido, homem de sua vida,
com obrigações de lhe dar carinho e ternura, de cuidar de seu corpo e de sua
alma? - perguntava na praia, lânguida e desolada, Ruth de Morais Miranda,
enquanto o sol queimava-lhe o corpo e o abandono roía-lhe a alma.
Tocado pela melancolia da senhora
coronela, tão necessitada de assistência moral, de companhia a romper-lhe a
dura solidão, o jovem Paiva não vacilou em sacrificar-lhe algumas horas de seus
dias cheios de agradáveis afazeres.
Abandonou passeios, sensacionais peladas
na praia, instrutivas conversas com colegas, e até um futuroso namoro. Generosa
conduta de um coração bem formado, digna de todos os louvores.
Já que ali, em Periperi, não podia a
ansiosa senhora encher suas tardes com sessões de cinema, visitas às amigas,
compras na Rua Chile, ele colocou seu talento, sua juventude e um bigode
inicial e sedutor a serviço daquela desolada aflição.
Por outro lado, conseguiu finalmente o
tenente-coronel burlar um dia a rigidez dos horários militares. Iria fazer uma
surpresa a sua mulherzinha, eternamente a queixar-se de sua ausência. Quando,
ao voltar no começo da noite, queria orná-la nos braços, ela o repelia, vingativa,
ferida em seu orgulho de mulher:
- Me larga aqui
o dia todo, como se eu nem existisse ...
Comprou um qui lo
de uvas, fruta da predilecção de Ruth. Ela rompia com os dentes os bagos
sumarentos. Comprou um queijo, uma lata de marmelada. E, para completar a
festa, uma garrafa de vinho português. Tomou o trem das duas e meia da tarde,
Ruth estaria solitária e triste, a pobre . . .
Não estava solitária e triste. Apenas
atravessou a soleira da porta, teve o tenente-coronel a primeira surpresa: ao
vê-lo, Zefa, a empregada, cuja dedicação ao casal datava de muitos anos,
disparou pela porta dos fundos, a pedir socorro.
Do quarto de dormir vinham sons alegres, o
riso de Ruth e mais outro riso, meu Deus! Com os pacotes dependurados dos
dedos, a garrafa de vinho sob o sovaco, Ananias arrombou a porta da alcova com
um pontapé.
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