domingo, fevereiro 09, 2014

HOJE

É

DOMINGO

(Na minha cidade de Santarém em 9/2/14)





Por muito activos e participantes que sejamos nesta fase adiantada das nossas vidas, inevitavelmente, vivemos muito das e para as nossas memórias ou, se quiserem, recordações.

A tal ponto que desejaríamos, pelo menos em determinados períodos da nossa vida, ter feito um diário que nos permitisse agora enfrentar de outra maneira a memória e dizer-lhe:

 - “Não, não, está aqui escrito, não é como tu registaste e isto? - ficou no esquecimento? Olha se eu não tivesse escrito tudo num papel?..."

Digo-vos, meus amigos, que se pudesse voltar a trás, uma das coisas que teria feito e não fiz, era um diário.

Calculem que já confrontei um amigo meu, por sinal médico, com uma situação que vivemos conjuntamente em África há cinquenta anos e ele dizer-me: - “mas eu não tenho nenhuma ideia disso”.

Também aconteceu alguém me recordar um determinado acontecimento que teria vivido no passado, há quarenta anos, e eu responder: - “se és tu que o dizes deve ser verdade mas eu não tenho ideia nenhuma disso”.

Mas, afinal, que mecanismo é este da memória que na parte final das nossas vidas nos diz o que nós vivemos ou não vivemos a ponto de haver pessoas que perderam de súbito e completamente a memória da sua identidade como aconteceu há anos a um francês que estava hospedado sozinho num hotel em Lisboa?

Eis a sua história contada pelo Prof. Dr. José Gameiro, psiquiatra, que o tratou:

- Vivia no sul de França e estava num processo de divórcio muito conflituoso. Os filhos, ainda por cima, tinham com ele uma relação difícil e estava sob a ameaça de um despedimento caso não atingisse determinados objectivos no trabalho.

À data do crash na Bolsa estivera dias sem dormir até que um dia, exausto, saíu do trabalho, foi para Orly e apanhou um comboio para Lisboa porque em jovem, acompanhado dos pais, tinha aqui estado e conhecera uma portuguesa com quem namorou. Perseguia um sonho de felicidade e parece ter sido esse o seu objectivo.

Foi tratado e progressivamente, ao fim de uma semana, recuperou totalmente a memória e um dos filhos veio buscá-lo. Deixou o emprego anterior, comprou um táxi e tornou-se motorista profissional e recomeçou a vida. Bendita amnésia.

Parece, então, que a amnésia funcionou como um dispositivo de defesa… Não podendo mais suportar a situação a amnésia apagou totalmente as memórias.

Quantas vezes as pessoas desabafam relativamente a determinadas recordações: - “eu nem me quero lembrar…”. Eu mesmo tenho por experiência que face a situações dolorosas de natureza sentimental de um terrível stress no meu passado, dou por mim a não querer recordá-las num esforço de as apagar.

Recordo no entanto, com bastante nitidez, o alívio e bem-estar que sentia com uma simples dose de whisky com água e gelo, eu que não gosto de bebidas alcoólicas e ainda por cima o whisky que tem um sabor desagradável.

A minha memória registou com precisão o remédio para a minha dor mas tentou esquecer esta. Razão para dizer, mais uma vez, bendita amnésia.

Nascemos sem memória e se tudo correr bem vamos morrer com falsas memórias. Ela vai-se construindo ao longo da vida mas, ao contrário do que supomos, não é objectiva. O tempo e as emoções moldam-na.

É natural que duas pessoas, normalmente irmãos, que viveram a mesma realidade em pequenos, tenham dela, muitos anos mais tarde, narrativas diferentes. Por isso, é bom exercitar a memória em jovem, decorar a tabuada, os rios e seus afluentes… à moda antiga.   

Site Meter