sábado, fevereiro 15, 2014

Os velhos aposentados esfregam as mãos, os olhos brilham...
OS VELHOS

MARINHEIROS


Episódio Nº 6










Onde se trata de aposentados e retirados dos negócios, com mulheres na praia e na cama, donzelas em fuga, ruína e suicídio, e um cachimbo de espuma-do-mar.

Um clima propiciatório, feito de tragédia e de mistério, antecedera o memorável dia do desembarque do comandante, como se o destino estivesse preparando a população para os acontecimentos a vir. Só de raro em raro um fato inesperado rompe a monotonia dessa vida suburbana.
Isso de Março a Novembro, porque nos três meses de férias, Dezembro, Janeiro, Fevereiro, todos esses arrabaldes da Leste Brasileiro, dos quais Periperi é o maior, o mais populoso e o mais belo, enchem-se de veraneantes.

Muitas das melhores residências ficam fechadas durante quase todo o ano, pertencem a famílias da cidade, abrem-se apenas no verão.
Aí então anima-se Periperi, invadido de repente por uma juventude álacre: rapazes a jogar futebol na praia, moças de Maio estendidas ao sol na areia, barcos a cruzar as águas, passeios, piqueniques, festinhas, namoros sob as árvores da praça ou na sombra dos rochedos.

Das recordações desses três meses, dos comentários sobre histórias e fatos do último veraneio, vive a população estável os nove meses seguintes. Rememorando namoros, festas, brigas entre jovens atletas apaixonados e ciumentos, a ameaça de afogamento de uma criança, bailes de aniversário, bebedeiras a perturbar o silêncio da noite.

A população estável (se exceptuarmos pescadores e uns poucos comerciantes - donos da única padaria, de uns dois bares, de outros tantos armazéns de secos e molhados, da farmácia - alguns funcionários da Leste Brasileiro nas casas ao lado da Estação) é formada de aposentados e retirados dos negócios com suas respectivas famílias, quase sempre apenas a esposa e, por vezes, uma irmã solteirona.

Alguns desses idosos personagens afirmam preferir Periperi no seu pacato quotidiano de antes e depois do verão, mas, em verdade, todos eles terminam por envolver-se, de uma ou de outra maneira, na turbulenta agitação do veraneio.

Quando não seja, para espiar, com olhos compridos e cobiçosos, os corpos femininos seminus na praia - cada pedaço de mulher! - ou para comentar acidamente os casais de namorados nos cantos escuros.

Seu Adriano Meira, retirado do negócio de ferragens, todas as noites, durante o verão, sai depois das nove horas, com uma lanterna eléctrica, para, como ele diz, “passar em revista os namorados, ver se estão trabalhando bem”.

Estabeleceu um roteiro completo dos becos, rochedos e pedras, fundos de quintal, portões e esquinas, onde os namorados buscam a solidão propícia ao amor. No dia seguinte, fornece seu Adriano um relatório circunstanciado e picaresco. Os velhos aposentados esfregam as mãos, os olhos brilham.

Tudo isso serve não apenas durante os meses de verão. Cada facto é recordado depois, longamente analisado e decomposto, quando os veraneantes partiram e a paz do mundo desceu sobre Periperi, quando o tempo é longo de passar, e a lanterna de seu Adriano ilumina apenas, nos cantos escuros, as carraspanas de Caco Podre ou encontros de cozinheiras e pescadores.

Existem os verões excepcionais. Não pela beleza dos dias, pelo esplendor maior dos verdes e azuis nas árvores e nas águas, pelas noites de brisa mais fresca e estrelas mais numerosas.

Tais coisas importam pouco aos aposentados e retirados dos negócios. Excepcionais são aqueles verões nos quais se regista um bom escândalo, um verdadeiro e ruidoso escândalo, prato capaz de alimentar sozinho as conversas dos meses mortos. Mas sucede tão de longe em longe. Uma tristeza!

Pois bem: o veraneio precedente à chegada do comandante foi de prodigalidade nunca vista. Dois escândalos, um logo nos começos de Janeiro, outro após o carnaval, com trágico desfecho, deram-lhe um lugar à parte no calendário suburbano.

Não se pode estabelecer, de boa-fé, ligação propriamente dita entre o caso do Tenente-Coronel Ananias Miranda, da Polícia Militar, e o do Comandante Vasco Moscoso de Aragão. Mas há uma tendência geral a ligar os dois factos, como se as desditas de Ananias fossem uma espécie de prólogo às aventuras de Vasco.

Não merecesse a voz do povo o respeito dos historiadores e nem valeria a pena relatar aqui esse incruento escândalo de Janeiro. Se bem existam sempre, em cada facto, lições a aprender. Assim, nos ruidosos - e velozes - sucessos a envolver o tenente-coronel, sua esposa Ruth e o jovem terceiranista de Direito Arlindo Paiva, encontraremos no mínimo dois ensinamentos valiosos.

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