Chico Pacheco negou-se a fazer parte do grupo. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 24
Matava mesmo. Chico Pacheco sentia dores no fígado, comprava mais um cacife de cinco mil-réis.
Aquela memorável mesa de poker iniciou um novo hábito em Periperi: às qui ntas-feiras, à noite, reuniam-se, em casa de
Vasco, para uma disputada partida, o velho José Paulo, Augusto Ramos e
Leminhos, além dos inevitáveis “perus”.
Zequi nha
Curvelo começou a penetrar os segredos do jogo, um marinheiro tem a obrigação
de conhecer e amar o poker.
Chico Pacheco negou-se a fazer parte do grupo. Não punha os pés na casa
do comandante (comandante na puta-que-o-pariu!).
Das festas de São João, com licor,
canjica e tubarões ou o invejoso derrotado.
Junho chegara com seu cortejo de chuvas a encharcar as ruas arenosas e
com as espigas de milho amontoadas nas cozinhas para os manuês, as canjicas, as
pamonhas. Mês da gula, quando os aposentados e retirados dos negócios
abandonavam as dietas, emborcavam cálices de licor de jenipapo, enterravam-se
nos pratos saborosos.
Pagariam esses excessos, obrigados vários deles a cortar o sal ou o
açúcar, com o agravamento das mazelas diversas, dos diabetes ao reumatismo. Em
muitas casas rezavam-se as trezenas de Santo Antônio, primeiro as orações
cantadas ante o altar improvisado do santo casamenteiro, depois as dancinhas ao
som de harmónica.
Na praça elevava-se o alto poste com a bandeira de São João,
preparavam-se as fogueiras para a noite santa. No fim do mês, viúvas e viúvos
festejariam São Pedro, seu padroeiro. Um mês inteiro de festas, as crianças a
soltarem traques e busca-pés, namoros nas trezenas, moças curvadas sobre
mágicas bacias de água para nelas enxergar o rosto do futuro noivo.
E a escolha do padrinho da festa
de São Pedro, honra cobiçada por todos os habitantes masculinos.
Festa de São João, em verdade, havia em cada casa, pois mesmo nas mais
pobres abria-se uma garrafa de licor de jenipapo e oferecia-se um pedaço de
canjica, de bolinho de milho ou de puba, de cuscuz de tapioca, delicada pamonha
envolta em palha.
Mas tratava-se da festa na praça, com diversões para os meninos pobres,
filhos de pescadores e operários da Lesfe, alunos do Grupo Escolar. Vinha o
Padre Justo, de Plataforma, rezava missa pela manhã na pequena igreja, almoçava
na casa de um dos importantes, assistia aos folguedos à tarde.
À noite
acendiam-se as fogueiras, nelas assavam-se milho e batata-doce, as faíscas
crepitavam no ar, balões subiam ao céu, crescia o número infinito das estrelas.
Essa história do padrinho da festa obrigava o Padre Justo a extremos de
diplomacia. Aliás, sua batina escondia a casaca de um diplomata, sabia
convencer os mais recalcitrantes, aparava susceptibilidades, tomava café com
um, almoçava com outro, merendava com um terceiro, servia-se de licor e canjica
em dezenas de casas, voltava para Plataforma em paz com seus fiéis de Periperi
e com uma mortal indigestão.
Os candidatos a padrinho eram muitos, cada ano. Todos sentiam-se com
direito a presidir a festa da tarde, quando os meninos disputavam as corridas
do saco e do ovo e escalavam o escorregadio pau-de-sebo com uma nota de cinco
mil-réis na ponta.
Havia alguma despesa a fazer, mas era desprezível se comparada à
distinção de sentar-se ao lado do reverendo, na praça, e escutar o discurso
elogioso de um aluno do Grupo Escolar, discurso escrito pela professora e
decorado pelo orador à custa de ameaças, esforço e palmatória.
Ainda em Abril começava o Padre Justo, em seu presbitério em
Plataforma, a receber insinuações, recados e visitas dos candidatos e de seus
familiares. Velas eram oferecidas à igreja, havia até quem mandasse rezar
missa.
Os mais antigos moradores, quase todos, já tinham sido distinguidos com
a suprema dignidade anual de Periperi. O velho José Paulo a merecera três
vezes, actualmente nem se candidatava, evitando despesas supérfluas.
Adriano Meira, Augusto Ramos,
Rui Pessoa haviam sido escolhidos anteriormente. Até Leminhos, habitante
relativamente novo do lugar, aposentado aos quarenta e cinco anos por motivo de
saúde, já fora padrinho da festa.
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