sexta-feira, março 07, 2014

Inveja mata, seu Chico Pacheco...
OS VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio Nº 23










Voltou-lhe as costas Vasco, saiu apressado, Chico concluiu:

- Esse cara nunca viu poker na vida dele. Jogando num barco de salvamento, onde já se viu? Esse sujeitinho pensa que a gente é mesmo idiota... É cada mentira e uma em cima da outra...

- Mentira?!

- Ora, seu Leminhos, então vosmicê não vê logo? Basta apertar um pouco e ele arreia as calças... Não viu agora, com essa história de poker? Jogando os biscoitos, os goles dágua... Arranjo os baralhos, os parceiros, e o tipo escapa-se... Só porque o baralho está um pouco usado, desculpa esfarrapada.

Qual o marinheiro, o mais vagabundo, que não traça seu pokerzinho?

Zequinha desembarcava do iceberg, ainda tiritante, vinha em defesa de seu ídolo:

- Quem lhe disse que ele não sabe? Ele lhe disse isso?

- Lá vem vosmicê com sua adulação pelo homenzinho . . .

- Adulação, vírgula. Mas não tenho inveja...

- E quem tem? Inveja de quê?

- Calma, senhores ... - interrompeu o Marreco. - Que é isso? Dois amigos velhos a discutir sem motivo.

- Não admito que se duvide da palavra de um homem honrado . . .

- Duvido é do poker dele.. .

- A verdade é que ele sumiu... - constatou Rui Pessoa. Mas já regressava Vasco trazendo dois baralhos e uma caixa de fichas. Novos e formosos, cartas enceradas, brilhantes, com a fotografia de um transatlântico estampada nas costas, a fumaça azul a evolar-se do bueiro, aqueles, sim, eram baralhos. Passavam as cartas de mão em mão.

Não se reduziu a esse detalhe a derrota de Chico Pacheco naquela tarde. Bom jogador de poker, mas nervoso e irritadiço, com propensões ao blefe a cada momento, não era parceiro à altura de Vasco Moscoso de Aragão, de contagiante bom humor, jogando com conhecimento, segurança e termos náuticos.

 Sabendo quando ir e quando fugir do jogo, sabendo blefar na hora exacta, apreendendo com rapidez os cacoetes de cada parceiro. Chico Pacheco podia negar-lhe tudo, menos a perícia no poker.

 Era um mestre.

Zequinha Curvelo seguia a partida, numa cadeira ao lado. Longe desaparecia o iceberg derretendo-se ao calor do sul, agora o pulso forte e o olho preciso de Vasco comprovavam-se na mesa de jogo.

De quando em vez Zequinha lançava um olhar superior ao injustiçado ex-fiscal do consumo. E, quando Vasco, com um simples par de damas, foi ver uma alta aposta de Chico Pacheco, dinheiro posto fora num mísero par de setes, Zequinha não resistiu:

- Inveja mata, seu Chico Pacheco.

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