Inveja mata, seu Chico Pacheco... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 23
Voltou-lhe as costas Vasco, saiu apressado, Chico concluiu:
- Esse cara nunca viu poker na vida
dele. Jogando num barco de salvamento, onde já se viu? Esse sujeitinho pensa
que a gente é mesmo idiota... É cada mentira e uma em cima da outra...
- Mentira?!
- Ora, seu Leminhos, então vosmicê não
vê logo? Basta apertar um pouco e ele arreia as calças... Não viu agora, com
essa história de poker? Jogando os biscoitos, os goles dágua... Arranjo os
baralhos, os parceiros, e o tipo escapa-se... Só porque o baralho está um pouco
usado, desculpa esfarrapada.
Qual o marinheiro, o mais vagabundo, que
não traça seu pokerzinho?
Zequi nha
desembarcava do iceberg, ainda tiritante, vinha em defesa de seu ídolo:
- Quem lhe disse que ele não sabe? Ele
lhe disse isso?
- Lá vem vosmicê com sua adulação pelo
homenzinho . . .
- Adulação, vírgula. Mas não tenho
inveja...
- E quem tem? Inveja de quê?
- Calma, senhores ... - interrompeu o Marreco.
- Que é isso? Dois amigos velhos a discutir sem motivo.
- Não admito que se duvide da palavra de
um homem honrado . . .
- Duvido é do poker dele.. .
- A verdade é que ele sumiu... -
constatou Rui Pessoa. Mas já regressava Vasco trazendo dois baralhos e uma
caixa de fichas. Novos e formosos, cartas enceradas, brilhantes, com a
fotografia de um transatlântico estampada nas costas, a fumaça azul a evolar-se
do bueiro, aqueles, sim, eram baralhos. Passavam as cartas de mão em mão.
Não se reduziu a esse detalhe a derrota
de Chico Pacheco naquela tarde. Bom jogador de poker, mas nervoso e irritadiço,
com propensões ao blefe a cada momento, não era parceiro à altura de Vasco
Moscoso de Aragão, de contagiante bom humor, jogando com conhecimento, segurança
e termos náuticos.
Sabendo quando ir e quando fugir do jogo,
sabendo blefar na hora exacta, apreendendo com rapidez os cacoetes de cada
parceiro. Chico Pacheco podia negar-lhe tudo, menos a perícia no poker.
Era um mestre.
Zequi nha
Curvelo seguia a partida, numa cadeira ao lado. Longe desaparecia o iceberg
derretendo-se ao calor do sul, agora o pulso forte e o olho preciso de Vasco
comprovavam-se na mesa de jogo.
De quando em vez Zequi nha
lançava um olhar superior ao injustiçado ex-fiscal do consumo. E, quando Vasco,
com um simples par de damas, foi ver uma alta aposta de Chico Pacheco, dinheiro
posto fora num mísero par de setes, Zequi nha
não resistiu:
- Inveja mata, seu Chico Pacheco.
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