quinta-feira, março 06, 2014

Por que não havia de saber?
OS Velhos

Marinheiros


Episódio Nº 22










Ora, Chico Pacheco era bom no poker:

- Poker? Ora, viva... Podemos fazer uma rodinha, eu já andava com saudades. O Marreco é um viciado...

- Viciado, não. Mas faço uma fézinha...

- ... Leminhos também joga, sem falar em Augusto Ramos.. .

Quem sabe, aquela história de jogar poker não era intrujice de Vasco, mais uma? Ah! se ele não conhecesse as regras, não tivesse a ciência da aposta, a malícia do blefe.. .

- Podemos fazer uma rodinha agora mesmo...

- Agora, não, me desculpe. Tenho de terminar o caso que estava contando... - furtava-se Vasco, voltando à narração interrompida.

- Deixa o fim pra depois ...  - forçava Chico Pacheco.

- Estava no pedaço mais impressionante - recordou Rui Pessoa.

- Chego a sentir um frio na espinha...  - confessou Zequinha.

Chico Pacheco olhou com desprezo o grupo em torno a Vasco. Imbecis! Então não viam logo a tapeação? Com certeza o impostor não sabia sequer com quantas cartas se jogava, o valor de uma sequência ou de uma trinca. Sorriu com esperança.

A voz do comandante (comandante, no cu!) rolava sonora na dramática história.

Pois já estava a montanha de gelo quase a abalroar o navio, gritavam os passageiros, perdiam a cabeça os tripulantes, quando ele, arrancando das mãos do timoneiro a roda do leme...

- Enquanto vosmicê termina vou chamar Augusto Ramos... Pode ser mesmo em sua casa, não é, Marreco?

- Só jogo se for baratinho... Coisa de tostão... - o Marreco vivia apertado, ajudava nora viúva e com filhos, na Bahia.

Passava o iceberg raspando pelo navio, Chico Pacheco partira em busca de Augusto Ramos e de baralho.

Mãos firmes no leme, Vasco contemplava vitorioso a montanha de gelo a afastar-se lentamente, arrastada pelas correntes glaciais.

Não faltava baralho, quase todos eles faziam paciências nas horas vagas da tarde, antes da prosa na praça. Baralhos de cartas grossas e sujas de diário manuseio.

- Vamos, vamos entrar ... - apressava Chico Pacheco.

- Peru não dá palpite ... - avisava Leminhos, pois todos tomavam posição para assistir à partida.

- Eu já tinha ouvido falar nessa história de iceberg...

- Não se lembra do naufrágio do Titanic? Bateu num troço desses... É muito perigoso . ..

Vasco sorria, aproximava-se, tomava do baralho. Chico Pacheco iluminou-se quando o comandante (comandante, uma porra!), à vista das cartas sebosas, largou-as sobre a mesa, balançou a cabeça e recusou-se:

- Com esse baralho, não. Não é possível.

- Ora, senhor, não seja luxento. Para uma brincadeira, a tostão, serve muito bem. Vamos sentando...

Chico Pacheco puxava a cadeira.

Zequinha Curvelo continuava a enxergar o iceberg:

- Eu me atirava na água se visse um troço desses em minha frente...

- Não, com esse baralho não jogo, não tem graça.

- Ou será que vosmicê não sabe para onde vai poker? - triunfava Chico Pacheco.

Fitou-o Vasco Moscoso de Aragão com olhos surpresos:

- Por que não havia de saber? - Sabe-se lá...

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