Por que não havia de saber? |
OS Velhos
Marinheiros
Episódio Nº 22
Ora, Chico Pacheco era bom no poker:
- Poker? Ora, viva... Podemos fazer uma
rodinha, eu já andava com saudades. O Marreco é um viciado...
- Viciado, não. Mas faço uma fézinha...
- ... Leminhos também joga, sem falar em Augusto Ramos.. .
Quem sabe, aquela história de jogar poker
não era intrujice de Vasco, mais uma? Ah! se ele não conhecesse as regras, não
tivesse a ciência da aposta, a malícia do blefe.. .
- Podemos fazer uma rodinha agora mesmo...
- Agora, não, me desculpe. Tenho de
terminar o caso que estava contando... - furtava-se Vasco, voltando à narração
interrompida.
- Deixa o fim pra depois ... - forçava Chico Pacheco.
- Estava no pedaço mais impressionante -
recordou Rui Pessoa.
- Chego a sentir um frio na espinha... - confessou Zequi nha.
Chico Pacheco olhou com desprezo o grupo
em torno a Vasco. Imbecis! Então não viam logo a tapeação? Com certeza o
impostor não sabia sequer com quantas cartas se jogava, o valor de uma sequência
ou de uma trinca. Sorriu com esperança.
A voz do comandante (comandante, no cu!) rolava
sonora na dramática história.
Pois já estava a montanha de gelo quase
a abalroar o navio, gritavam os passageiros, perdiam a cabeça os tripulantes,
quando ele, arrancando das mãos do timoneiro a roda do leme...
- Enquanto vosmicê termina vou chamar
Augusto Ramos... Pode ser mesmo em sua casa, não é, Marreco?
- Só jogo se for baratinho... Coisa de
tostão... - o Marreco vivia apertado, ajudava nora viúva e com filhos, na
Bahia.
Passava o iceberg raspando pelo navio,
Chico Pacheco partira em busca de Augusto Ramos e de baralho.
Mãos firmes no leme, Vasco contemplava
vitorioso a montanha de gelo a afastar-se lentamente, arrastada pelas correntes
glaciais.
Não faltava baralho, quase todos eles
faziam paciências nas horas vagas da tarde, antes da prosa na praça. Baralhos
de cartas grossas e sujas de diário manuseio.
- Vamos, vamos entrar ... - apressava
Chico Pacheco.
- Peru não dá palpite ... - avisava
Leminhos, pois todos tomavam posição para assistir à partida.
- Eu já tinha ouvido falar nessa
história de iceberg...
- Não se lembra do naufrágio do Titanic?
Bateu num troço desses... É muito perigoso . ..
Vasco sorria, aproximava-se, tomava do
baralho. Chico Pacheco iluminou-se quando o comandante (comandante, uma
porra!), à vista das cartas sebosas, largou-as sobre a mesa, balançou a cabeça
e recusou-se:
- Com esse baralho, não. Não é possível.
- Ora, senhor, não seja luxento. Para
uma brincadeira, a tostão, serve muito bem. Vamos sentando...
Chico Pacheco puxava a cadeira.
Zequi nha
Curvelo continuava a enxergar o iceberg:
- Eu me atirava na água se visse um
troço desses em minha frente...
- Não, com esse baralho não jogo, não
tem graça.
- Ou será que vosmicê não sabe para onde
vai poker? - triunfava Chico Pacheco.
Fitou-o Vasco Moscoso de Aragão com
olhos surpresos:
- Por que não havia de saber? - Sabe-se
lá...
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