HÁ VIDA DEPOIS
DA
MORTE?
Mark
Twain, considerado por William Faulkner, o primeiro escritor verdadeiramente
americano, dizia:
«Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões e milhões de
anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso».
Richard Dawkins disse precisamente o
mesmo mas de uma forma mais elaborada que vale a pena reescrever:
«A vida é uma extraordinária oportunidade e eu que vou morrer
considero-me bafejado pela sorte porque a maior parte das pessoas nunca vai
morrer porque nunca vai chegar a nascer.
…Como poderemos nós, então, os poucos
privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhamos a lotaria do
nascimento, atrever-mos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a esse
estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?».
Há uns meses, para me poupar a um desagradável exame, submeti-me a
uma anestesia geral e quando, deitado na marquesa aguardava a injecção da
anestesia, pensei que me ia sujeitar a uma simulação da morte.
Acordado, mais tarde, pensei que ter
estado desligado da vida pouco mais de uma hora ou o resto da eternidade, teria
sido precisamente o mesmo: o vazio total e, afinal, sem nenhum custo, dor ou
sacrifício, nada…
Contudo, as sondagens vão no sentido
de que aproximadamente 95% das pessoas acreditam que vão sobreviver à própria
morte.
Quase tenho vontade de dizer que os
homens vivem durante tantos anos que se habituam a estar vivos e depois não
querem morrer.
Claro que a natureza dotou os animais
e naturalmente o homem também, do instinto da sobrevivência, fonte de vida, mas
para quê estar vivo durante tantos anos depois da fase de procriação?
O arqui tecto
Niemeyer, nascido em 1907, faleceu há poucos meses e o mesmo acontece com o
nosso Manuel de Oliveira, este ainda a trabalhar com 104 anos.
São exemplos
relativamente aos quais me apetece dizer que deviam ficar cá para sempre, mas a
maioria esmagadora dos nossos velhos limita-se a aguardar a morte, sentados por
aí nos bancos dos jardins, muitos deles com vidas prolongadas pelo Serviço
Nacional de Saúde.
O meu vizinho do 5º
Esq. que lá vai suportando os seus noventa anos com a ajuda da bengala e quase
sem ver nada, tendo por companhia a solidão, as dores e os desgostos da vida,
desabafou comigo aqui há dias à
entrada do elevador:
- “O dia em que morrer vai ser o mais
feliz da minha vida…”.
Mas a natureza sabe o que faz e não é
por acaso que após a idade de procriar continuamos a poder viver mais do dobro dos anos. As nossas crianças não só
precisam dos pais como, igualmente, precisam dos avós, pessoas mais disponíveis
que os pais para os proteger e ensinar assegurando-lhes uma melhor oportunidade
para serem adultos mais preparados.
Mas querer estar vivo é uma coisa,
continuar a viver depois de morrer é outra…
Bertrand Russel, no seu ensaio de
1925 “What I Believe” escrevia:
- “Acredito que quando morrer vou apodrecer e nada do meu ego irá
sobreviver. Não sou jovem e amo a vida mas desdenharia tremer de medo ante a
perspectiva da aniqui lação.
Apesar de tudo, a felicidade só é verdadeiramente
felicidade porque tem que ter um fim, do mesmo modo que o pensamento ou o amor
não valem menos por não serem eternos.
Muitos foram aqueles que pisaram o
cadafalso com orgulho; esse mesmo orgulho deveria, por certo, ensinar-nos a
pensar, verdadeiramente, o lugar que o homem ocupa no mundo”.
Para quem teme a morte, acreditar que tem uma alma imortal pode
ser consolador – a menos, evidentemente, que esteja convencido que vai para o
inferno ou para o purgatório.
As falsas crenças podem ser tão consoladoras
como as verdadeiras, até ao momento do desengano. Se um médico mente ao doente
dizendo-lhe que ele está curado o consolo é idêntico ao de outro homem a quem
seja dito, com verdade, que ele está curado.
A mentira do médico só é eficaz até
os sintomas se tornarem inequívocos mas um crente na vida depois da morte nunca
poderá, em última análise, ser desenganado.
As pessoas religiosas que dizem
acreditar na vida depois da morte se fossem realmente sinceras deveriam reagir
como o abade Ampleforth, quando o cardeal Basil Hume lhe disse que estava a
morrer:
“Parabéns! Que bela notícia. Quem me dera ir com ir com Vossa
Eminência”.
Este abade era um verdadeiro crente
mas é exactamente por esta história ser tão rara e inesperada que prende a
atenção e quase diverte.
Por que razão todos os cristãos e
muçulmanos não dizem a mesma coisa ou algo parecido?
Quando um médico diz a uma mulher
devota que não lhe restam senão alguns meses de vida por que razão não sorri
ela, emocionada, como se tivesse ganho umas férias nas Seychelles?
Por que razão é que os amigos e
familiares, crentes como ela, não a sobrecarregam de mensagens para os que já
partiram? - Dá lá saudades ao tio
Alberto quando o vires….
Por que não falam assim as pessoas
religiosas na presença dos que estão à beira da morte?
Será que não acreditam em todas as
coisas em que era presumível acreditarem?
Ou talvez acreditem mas têm medo do
“processo” de morrer que pode ser doloroso e desagradável com a agravante de
que, ao contrário de todos os outros animais, não podem ir ao veterinário pedir
uma morte indolor.
E, neste caso, por que são as pessoas
religiosas as mais ferozes opositores à eutanásia e ao suicídio medicamente
assistido?
Não seria de esperar que as pessoas
mais religiosas fossem menos inclinadas a agarrarem-se despudoradamente à vida
seguindo o exemplo do abade Ampleforth?
A razão oficial é de que provocar a
morte é sempre pecado mas por quê considerar isso pecado se se acredita
sinceramente que se está desse modo a acelerar uma ida para o céu?
Para quem crê numa vida depois da
morte, morrer é apenas a transição de uma vida para outra vida e, sendo assim,
se ela for dolorosa porquê prescindir da anestesia quando não se prescinde dela
para tirar o apêndice?
Daqueles que vêm na morte não uma
transição mas sim o fim é que se poderia, francamente, esperar resistência à
eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, no entanto, são esses que são a
favor.
Uma enfermeira com longos anos de
trabalho à frente de um lar de idosos pôde verificar que as pessoas religiosas
eram as que tinham mais medo da morte.
Se este comportamento for comprovado
estatisticamente poder-se-á perguntar, afinal, qual o poder da religião como
reconforto na hora da morte?
No caso dos católicos será o medo do
purgatório, uma espécie de Ellis Island (um dos principais pontos de entrada
dos emigrante para os EUA) divino, uma antecâmara para onde vão as almas se os
seus pecados não são suficientemente graves para as lançarem logo no inferno
mas, por outro lado, precisam ainda de alguma reciclagem antes de poderem ser
admitidas no céu.
Na Idade Média a Igreja dava
indulgências a troco de dinheiro o que, na prática, significava menos dias de
purgatório antes de entrar no céu.
Nesta história da morte, as Agências Funerárias parecem-me ser
as únicas que lucram honestamente...
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