sábado, março 29, 2014

HÁ VIDA DEPOIS

DA MORTE?
















Mark Twain, considerado por William Faulkner, o primeiro escritor verdadeiramente americano, dizia:


«Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões e milhões de anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso».

Richard Dawkins disse precisamente o mesmo mas de uma forma mais elaborada que vale a pena reescrever:

«A vida é uma extraordinária oportunidade e eu que vou morrer considero-me bafejado pela sorte porque a maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer.

…Como poderemos nós, então, os poucos privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhamos a lotaria do nascimento, atrever-mos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a esse estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?».

Há uns meses, para me poupar a um desagradável exame, submeti-me a uma anestesia geral e quando, deitado na marquesa aguardava a injecção da anestesia, pensei que me ia sujeitar a uma simulação da morte.

Acordado, mais tarde, pensei que ter estado desligado da vida pouco mais de uma hora ou o resto da eternidade, teria sido precisamente o mesmo: o vazio total e, afinal, sem nenhum custo, dor ou sacrifício, nada…

Contudo, as sondagens vão no sentido de que aproximadamente 95% das pessoas acreditam que vão sobreviver à própria morte.

Quase tenho vontade de dizer que os homens vivem durante tantos anos que se habituam a estar vivos e depois não querem morrer.

Claro que a natureza dotou os animais e naturalmente o homem também, do instinto da sobrevivência, fonte de vida, mas para quê estar vivo durante tantos anos depois da fase de procriação?

O arquitecto Niemeyer, nascido em 1907, faleceu há poucos meses e o mesmo acontece com o nosso Manuel de Oliveira, este ainda a trabalhar com 104 anos.


São exemplos relativamente aos quais me apetece dizer que deviam ficar cá para sempre, mas a maioria esmagadora dos nossos velhos limita-se a aguardar a morte, sentados por aí nos bancos dos jardins, muitos deles com vidas prolongadas pelo Serviço Nacional de Saúde.

O meu vizinho do 5º Esq. que lá vai suportando os seus noventa anos com a ajuda da bengala e quase sem ver nada, tendo por companhia a solidão, as dores e os desgostos da vida, desabafou comigo aqui há dias à entrada do elevador:


- “O dia em que morrer vai ser o mais feliz da minha vida…”.

Mas a natureza sabe o que faz e não é por acaso que após a idade de procriar continuamos a poder viver mais do  dobro dos anos. As nossas crianças não só precisam dos pais como, igualmente, precisam dos avós, pessoas mais disponíveis que os pais para os proteger e ensinar assegurando-lhes uma melhor oportunidade para serem adultos mais preparados.

Mas querer estar vivo é uma coisa, continuar a viver depois de morrer é outra…

Bertrand Russel, no seu ensaio de 1925 “What I Believe” escrevia:

- “Acredito que quando morrer vou apodrecer e nada do meu ego irá sobreviver. Não sou jovem e amo a vida mas desdenharia tremer de medo ante a perspectiva da aniquilação.

Apesar de tudo, a felicidade só é verdadeiramente felicidade porque tem que ter um fim, do mesmo modo que o pensamento ou o amor não valem menos por não serem eternos.

Muitos foram aqueles que pisaram o cadafalso com orgulho; esse mesmo orgulho deveria, por certo, ensinar-nos a pensar, verdadeiramente, o lugar que o homem ocupa no mundo”.

Para quem teme a morte, acreditar que tem uma alma imortal pode ser consolador – a menos, evidentemente, que esteja convencido que vai para o inferno ou para o purgatório.

As falsas crenças podem ser tão consoladoras como as verdadeiras, até ao momento do desengano. Se um médico mente ao doente dizendo-lhe que ele está curado o consolo é idêntico ao de outro homem a quem seja dito, com verdade, que ele está curado.

A mentira do médico só é eficaz até os sintomas se tornarem inequívocos mas um crente na vida depois da morte nunca poderá, em última análise, ser desenganado.

As pessoas religiosas que dizem acreditar na vida depois da morte se fossem realmente sinceras deveriam reagir como o abade Ampleforth, quando o cardeal Basil Hume lhe disse que estava a morrer:

“Parabéns! Que bela notícia. Quem me dera ir com ir com Vossa Eminência”.

Este abade era um verdadeiro crente mas é exactamente por esta história ser tão rara e inesperada que prende a atenção e quase diverte.

Por que razão todos os cristãos e muçulmanos não dizem a mesma coisa ou algo parecido?

Quando um médico diz a uma mulher devota que não lhe restam senão alguns meses de vida por que razão não sorri ela, emocionada, como se tivesse ganho umas férias nas Seychelles?

Por que razão é que os amigos e familiares, crentes como ela, não a sobrecarregam de mensagens para os que já partiram? -  Dá lá saudades ao tio Alberto quando o vires….

Por que não falam assim as pessoas religiosas na presença dos que estão à beira da morte?

Será que não acreditam em todas as coisas em que era presumível acreditarem?

Ou talvez acreditem mas têm medo do “processo” de morrer que pode ser doloroso e desagradável com a agravante de que, ao contrário de todos os outros animais, não podem ir ao veterinário pedir uma morte indolor.

E, neste caso, por que são as pessoas religiosas as mais ferozes opositores à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido?

Não seria de esperar que as pessoas mais religiosas fossem menos inclinadas a agarrarem-se despudoradamente à vida seguindo o exemplo do abade Ampleforth?

A razão oficial é de que provocar a morte é sempre pecado mas por quê considerar isso pecado se se acredita sinceramente que se está desse modo a acelerar uma ida para o céu?

Para quem crê numa vida depois da morte, morrer é apenas a transição de uma vida para outra vida e, sendo assim, se ela for dolorosa porquê prescindir da anestesia quando não se prescinde dela para tirar o apêndice?

Daqueles que vêm na morte não uma transição mas sim o fim é que se poderia, francamente, esperar resistência à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, no entanto, são esses que são a favor.

Uma enfermeira com longos anos de trabalho à frente de um lar de idosos pôde verificar que as pessoas religiosas eram as que tinham mais medo da morte.

Se este comportamento for comprovado estatisticamente poder-se-á perguntar, afinal, qual o poder da religião como reconforto na hora da morte?

No caso dos católicos será o medo do purgatório, uma espécie de Ellis Island (um dos principais pontos de entrada dos emigrante para os EUA) divino, uma antecâmara para onde vão as almas se os seus pecados não são suficientemente graves para as lançarem logo no inferno mas, por outro lado, precisam ainda de alguma reciclagem antes de poderem ser admitidas no céu.

Na Idade Média a Igreja dava indulgências a troco de dinheiro o que, na prática, significava menos dias de purgatório antes de entrar no céu.


Nesta história da morte, as Agências Funerárias parecem-me ser as únicas que lucram honestamente...

Site Meter