Já revolucionara ele as Festas de S. João |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 29
De como desabou a tempestade após as
comemorações do Dois de Julho ou a volta do bandido com acusações contra o
mocinho
E, de repente, num desses dias perfeitos de inverno, de céu límpido e
despejado, de mar sereno, a natureza em paz com os homens, a tempestade
desabou.
Logo após o 2 de Julho, comemorado naquele ano com excepcional
brilho em
Periperi. Anteriormente , a celebração da data nacional da Baía
resumia-se a um acto no Grupo Escolar, discurso de professor e hinos cantados,
com voz estrídula e desafinada, pelas crianças.
Fora disso, era um dia morto,
cada um recordando outros Dois de Julho passados na cidade, o cortejo de
caboclos, as cerimónias na Praça da Sé e no Campo Grande, os fogos de
artifício.
Naquele ano, porém, o comandante, indiscutível autoridade em assuntos
cívicos, colocou-se à frente das comemorações.
Já revolucionara ele as Festas de São João, pendurando uma nota novinha
de vinte mil-réis, - um exagero! - na ponta do pau-de-sebo; multiplicando o
número das competições infantis, com prémios aos vencedores; financiando uma
festa para a gente pobre em casa de Esmeraldina, costureira “doublé” de
doidivanas, amiga de cantar e dançar, de casar e descasar, espécie de mulher
fatal de operários e pescadores, com um considerável activo de brigas,
navalhadas e ameaças de morte.
Ali correra farta a cachaça,
harmónica e violão gemeram noite adentro, e o barulho tornou-se ensurdecedor,
quando, pelas onze horas, o comandante apareceu, acompanhado de Zequi nha Curvelo - que agora também fumava cachimbo —
para ver como ia a festa, vestido com a farda de gala.
Com farda de gala amanhecera ele no 2 de Julho, engalanada também a
alma de ardor patriótico. Como descobrira ter sido Caco Podre, nos seus bons
tempos, anspeçada do Exército, ninguém sabe.
Aquele seu costume, talvez, de conversar com toda gente, de ouvir
pacientemente confidencias e recordações, de discutir problemas. Resultado: foi
a população de Periperi despertada naquele 2 de Julho, ao nascer da aurora, por
alarmantes toques bélicos de clarins.
Era Caco Pobre, na praça,
executando a alvorada, num entusiasmo de quem recupera os anos perdidos da
juventude, enquanto o comandante, auxiliado por Zequi nha,
hasteava as bandeiras do Brasil e da Bahia no pau-de-sebo promovido a mastro.
Haveria algumas falhas nos
acordes talvez, andava embotada a memória musical de Caco Podre, mas quem
notaria tão mísero pormenor?
Pulavam estremunhados dos leitos os aposentados e retirados dos
negócios, que diabo seria aqui lo,
que estava sucedendo?
Apuravam o ouvido, as clarinadas
cortavam o silêncio matinal, acordavam o sol do 2 de Julho que, como afirma o
hino famoso, “naquele dia é brasileiro, brilha mais que no primeiro”.
Parecia algo relacionado com as forças armadas, imaginavam os
habitantes assustados: seria revolução, os jornais andavam cheios de boatos.
Era revolução com certeza, pois em seguida um bombardeio monstruoso abalou os
fundamentos de Periperi.
Foguetes espocando no ar, as bombas servindo como salvas de canhão, sob
o competente controle do comandante a ordenar a Misael, o outro ganhador da
estação:
- Vinte e uma! Basta!
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