sexta-feira, março 14, 2014

Já revolucionara ele as Festas de S. João
OS VELHOS

MARINHEIROS


Episódio Nº 29









De como desabou a tempestade após as comemorações do Dois de Julho ou a volta do bandido com acusações contra o mocinho


E, de repente, num desses dias perfeitos de inverno, de céu límpido e despejado, de mar sereno, a natureza em paz com os homens, a tempestade desabou.

Logo após o 2 de Julho, comemorado naquele ano com excepcional brilho em Periperi. Anteriormente, a celebração da data nacional da Baía resumia-se a um acto no Grupo Escolar, discurso de professor e hinos cantados, com voz estrídula e desafinada, pelas crianças.

 Fora disso, era um dia morto, cada um recordando outros Dois de Julho passados na cidade, o cortejo de caboclos, as cerimónias na Praça da Sé e no Campo Grande, os fogos de artifício.

Naquele ano, porém, o comandante, indiscutível autoridade em assuntos cívicos, colocou-se à frente das comemorações.

Já revolucionara ele as Festas de São João, pendurando uma nota novinha de vinte mil-réis, - um exagero! - na ponta do pau-de-sebo; multiplicando o número das competições infantis, com prémios aos vencedores; financiando uma festa para a gente pobre em casa de Esmeraldina, costureira “doublé” de doidivanas, amiga de cantar e dançar, de casar e descasar, espécie de mulher fatal de operários e pescadores, com um considerável activo de brigas, navalhadas e ameaças de morte.

 Ali correra farta a cachaça, harmónica e violão gemeram noite adentro, e o barulho tornou-se ensurdecedor, quando, pelas onze horas, o comandante apareceu, acompanhado de Zequinha Curvelo - que agora também fumava cachimbo — para ver como ia a festa, vestido com a farda de gala.

Com farda de gala amanhecera ele no 2 de Julho, engalanada também a alma de ardor patriótico. Como descobrira ter sido Caco Podre, nos seus bons tempos, anspeçada do Exército, ninguém sabe.

Aquele seu costume, talvez, de conversar com toda gente, de ouvir pacientemente confidencias e recordações, de discutir problemas. Resultado: foi a população de Periperi despertada naquele 2 de Julho, ao nascer da aurora, por alarmantes toques bélicos de clarins.

 Era Caco Pobre, na praça, executando a alvorada, num entusiasmo de quem recupera os anos perdidos da juventude, enquanto o comandante, auxiliado por Zequinha, hasteava as bandeiras do Brasil e da Bahia no pau-de-sebo promovido a mastro.

 Haveria algumas falhas nos acordes talvez, andava embotada a memória musical de Caco Podre, mas quem notaria tão mísero pormenor?

Pulavam estremunhados dos leitos os aposentados e retirados dos negócios, que diabo seria aquilo, que estava sucedendo?

 Apuravam o ouvido, as clarinadas cortavam o silêncio matinal, acordavam o sol do 2 de Julho que, como afirma o hino famoso, “naquele dia é brasileiro, brilha mais que no primeiro”.

Parecia algo relacionado com as forças armadas, imaginavam os habitantes assustados: seria revolução, os jornais andavam cheios de boatos. Era revolução com certeza, pois em seguida um bombardeio monstruoso abalou os fundamentos de Periperi.

Foguetes espocando no ar, as bombas servindo como salvas de canhão, sob o competente controle do comandante a ordenar a Misael, o outro ganhador da estação:
- Vinte e uma! Basta!

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