Conta mais uma história dele. Uma que tenha mulher... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 28
Comoveu-me e abracei-o, não é mau rapaz. Um pouco estourado apenas,
maledicente por vezes, mas não será essa amargura resultado de suas
dificuldades financeiras?
Recebe uma pensão miserável, mal
pode viver. Negar-lhe talento é impossível e, se abandonasse a mania do
futurismo, poderia escrever bons versos.
Expliquei-lhe minhas preocupações em torno da atitude assumida pela
população de Periperi naquela primeira fase da luta entre o comandante e Chico
Pacheco.
Não concordou Telêmaco com o Meritíssimo, “que entende aquela besta do
comportamento dos homens?” Não eram, segundo ele, as provas concretas e
materiais - diplomas, mapas, cronógrafo - a causa fundamental do apoio dado ao
comandante.
Não era assim tão simples e
fácil, nem dão os homens tanto valor às provas materiais. O que os levava a
sustentar o comandante, a enfrentar Chico Pacheco e sua língua temível, era a
própria necessidade, sentida por todos eles, despretensiosos e tímidos
aposentados e retirados dos negócios, de sua ração de aventura, de sua parcela
de heroísmo.
Por mais circunspecto que seja
um homem, mais comedida sua vida, há dentro dele uma chama, por vezes apenas
uma fagulha, capaz de transformar-se num incêndio se a ocasião se apresenta.
É ela que exige fugir da mediocridade, mesmo que seja nas palavras de
uma história ouvida ou nas páginas de um livro lido, da chatice dos dias
iguais, pequenos e mornos.
Nas aventuras do comandante, em sua vida arriscada e temerária, encontravam os perigos por que
não haviam passado, as lutas e batalhas que não haviam travado, os alucinados e
pecaminosos amores que, não haviam vivido.
Que lhes oferecia Chico Pacheco? - As tricas de um processo judicial
contra o Estado era pouco.
Se ainda fosse um processo
criminal, com mortes, esposa adúltera e amante sórdido, facadas ou tiros, júri
emocionante, promotor e advogado, ciúme, ódio e amor, talvez tivesse alguma
possibilidade... Mas essa pendência em torno de uma aposentadoria era quase
nada para o muito de que necessitavam, sua carência de vida mais verdadeira e
profunda.
O comandante era um generoso
doador de grandeza humana, eis aí o segredo de seu sucesso.
Confesso parecer-me tudo isso complicado e confuso, um tanto pernóstico
também. Telémaco Dórea é assim, mas, no fundo, não é mau sujeito. Aplicou-me
mais alguns elogios, tomou-me duzentos cruzeiros para pagar dois dias depois,
foi-se embora.
Terminei por expor a questão a Dondoca, no leito cálido onde substituo
à noite o Meritíssimo sem seus elevados méritos intelectuais mas com certas
vantagens físicas. A safadinha riu seu riso dengoso:
- Esse comandante, apesar de velhote, tem seu encanto. Gosto da voz
dele, dos olhos bonitos e da cabeleira. Devia ser bom ficar deitada, ouvindo
ele contar seus acontecidos. Um homem assim, não há mulher que não goste...
- Só para ouvir ou, também...? Mordeu o lábio, riu desfalecente:
- Quem sabe, também...
Como se não bastasse o juiz, descarada! Mas ela me puxava pelos
cabelos, falava com a boca junto a mim:
- Conta mais uma história dele, uma que tenha mulher no meio do mar,
conta, meu bem...
Juro que pensava no comandante, a cachorra.
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