No meu tempo de menino aqui, era onde eu jogava à bola... |
A aldeia
dos
meus
avós
Aldeia da Concavada - Espaço de Vivos...
Se sinto agora,
quase aos 75 anos, alguma dificuldade em envelhecer devo-o à aldeia dos meus
avós… Interno num colégio, passava ali as férias grandes na liberdade de uma
aldeia onde quase todos eram tios e primos.
Tudo o que então
podia fazer a minha felicidade de rapaz ali estava. O Largo da Chã- da- Eira
onde dava xutos na bola contra a parede da capela, o rio Tejo que passava a
meia hora de caminho, nem tanto, local ideal para piqueniques, banhos e pescarias
e as longas tardes de verão para conversas amenas ou jogo de cartas…
Há anos voltei à
aldeia dos meus avós com o meu sobrinho e de novo percorri todas aquelas ruas,
a fonte onde as mulheres iam buscar água para beber com a bilha à cabeça, esqui nas, pequenos largos, o local das tabernas,
comércio de então, lugares que de tão familiares eu parava para os cumprimentar
com o olhar… e eles até parecia que me falavam das pessoas com quem eu, em
jovem, por ali me cruzava, cada uma com o seu passo característico nas rotinas
próprias da hora do dia.
Para mim, era já uma
enorme lista de gente a que o meu sobrinho, ao meu lado, não tinha acesso, já
não eram do tempo dele, e com as quais nas minhas mais recuadas memórias me ia
encontrando como se tivessem sido avisadas por alguém da minha visita...:
- “… Enxada
às costas, tamancos nos pés, chapéu na cabeça, calças arregaçadas, o meu tio Firmino lá vai regar
a horta, sempre composto, muito educado, bem apresentado, não fosse ele
alfaiate:
- “O Sr. Lopes (o meu pai era António
Lopes) arruma à esquerda ou à direita?”, perguntava-me ele, meio ajoelhado aos
meus pés, metro esticado, a tirar as medidas para as calças.”
Eu não teria, então, mais que catorze
ou qui nze anos e o meu tio Firmino
foi a primeira pessoa que me tratou por senhor, o que me deixava um pouco
estranho… eu era apenas um rapaz mas o meu tio Firmino era um perfeito
cavalheiro, muito educado.
A minha tia, vinha à
porta e eu dava-lhe um beijinho como era próprio nos meninos da cidade, e ela
perguntava-me invariavelmente:- “ Como estás?”
Eram pessoas de expressão
serena, palavras calmas e curtas, de vidas rotineiras, ao sabor e ritmo de uma
aldeia da província que anos atrás tinha sido atravessada pela estrada
alcatroada que ia para as Beiras, o interior do país, e que na hora da passagem
da camioneta da carreira ganhava alguma agitação.
A camioneta parava,
exactamente, no Largo da Chã-da-Eira para despejar passageiros, fazer a entrega
do saco do correio e seguir viagem até ao Gavião, uns qui nze
a vinte qui lómetros à frente, no
limite do Distrito.
O saco do correio
era deixado na loja da minha prima Clementina, responsável pela entrega das
cartas e ainda pelo único Telefone da aldeia, que era público.
A sua loja era um espaço social que ganhava vida às seis horas da tarde com a
chegada da camioneta e dos passageiros.
As pessoas, à falta do que fazer, encontravam-se
ali para ver quem chegava, dar dois dedos de conversa e de coscuvilhice e eu…
principalmente, para ver a Bia, moça mais velha, filha do Cabo de Ordens da
aldeia, que estudava na Faculdade de Letras em Lisboa, única universitária que
havia por aquelas paragens e que não nos passava cartão, a nós, miúdos do
liceu…
Mas era difícil
fugir ao seu poder de atracção, sempre muito bem arranjada, bonita, lábios
pintados rigorosamente de um encarnado vivo que lhe ia a matar com o seu
penteado de cabelos negros.
Assunto arrumado, a camioneta partia e lá ia a Bia, estrada fora, de regresso a casa no seu passo elegante como se desfilasse numa "passerelle" mas melhor, muito melhor, sem artificialismos parvos.
Ela sabia bem que
nos deixava a nós, rapazes, de olhar pendurado no seu corpo ondulante até que,
finalmente, desaparecia na curva. Voltaria amanhã ou no meu próximo sonho…
Tudo isto ficou tão
vivo na minha memória que embora sendo tão longínquo no tempo de uma vida,
permanece fresco e tão recente que eu continuo a ver-me, passados mais de
sessenta anos, a passar férias na aldeia dos meus avós…
Por isso me custa a
envelhecer… compreendem? De tudo quanto vivi foi o que de mais notável
aconteceu: ... as minhas férias grandes na aldeia dos meus avós.
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