sábado, março 29, 2014

Não ia casar com um qualquer, ela, neta de barão...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 42











Numa valsa fatal, a desilusão. Saíra dançando com Madalena e, conversa vai, conversa vem, falaram de noivado e casamento a propósito de outra moça.

Madalena revelou-lhe sua única exigência a quem quisesse levar-lhe a caixa de ossos ao altar: um título ou uma patente. Não exigia títulos nobiliárquicos, se bem, evidentemente, um conde ou um marquês ou um barão seria o ideal, agora difícil com a República, a traição miserável feita ao pobre Imperador, amigo de seu avô com quem até se correspondia.

Referia-se a títulos republicanos, universitários, carta de doutor, patente de oficial do Exército ou da Marinha. Não ia casar com um qualquer, ela, neta de barão, filha de desembargador, para ser a esposa humilhada de um “seu” Fulano de Tal, de um “seu” Beltrano, de um “seu” Sicrano.

Queria ser a Senhora Doutor ou Capitão ou Comandante, não lhe importava tanto o dinheiro e, sim, a família, o nome. Disso fazia questão.

Vasco perdeu o pé, errou o passo, empalideceu e murchou. Puxara a conversa para aquele assunto na intenção de insinuar-se e a enfatuada magricela atirara-lhe logo em rosto sua condição de “um qualquer”, um daqueles “seu” fulano de quem ela falava numa voz de sumo desprezo.

Não chegara sequer a situar-se candidato, encabulou, entupiu, arrastou-se silencioso até os últimos acordes. Cresceu sua tristeza.

Porque sua tristeza tinha como causa única e exclusiva o fato de não possuir um título a preceder-lhe o nome. Por que não singrava de vez à conquista de Dorothy, ligada a Roberto apenas pelo dinheiro que ele lhe dava?

Muito mais dinheiro podia Vasco garantir-lhe, outro conforto, casa própria, além de uma vida contente, com festas, passeios, noitadas, champanhe. Sem falar no horror de ter de suportar um suíno como Roberto a fuçar-lhe o cangote, a apertá-la contra si, a espojar-se na cama.

E por Dorothy suspirava Vasco, por ela pulsava aflito seu coração e à noite imaginava-a nua, os seios túmidos, as rígidas coxas, a redonda bunda, o ventre de veludo. Por que não a arrancava então dos braços de Roberto? Medo? Sim, medo de Roberto.

Não medo físico, mas temia suas banhas, e homem que bate em mulher é sempre covarde, incapaz de enfrentar outro homem. E quem se atreveria a enfrentar Vasco Moscoso de Aragão, amigo do doutor Jerónimo, mandando na polícia, com soldados e marinheiros às suas ordens, se o quisesse? Era só dar uma palavra ao coronel e ao comandante.

Era outra forma de medo, nascida do respeito do comerciante pelo doutor, com curso de Faculdade, canudo de médico, anel de grau, defesa de tese.

Jamais pudera Vasco vencer a distância a separá-lo dos doutores. Ficava humilde ante eles, não era seu igual.

Essa a procurada causa daquela expressão melancólica, da permanente mágoa a roer-lhe a alegria e a inquietar seus amigos. Para Vasco, os homens com um título ou uma patente formavam casta à parte, situavam-se acima dos outros mortais, eram seres superiores.

Vasco sentia sua inferioridade a cada momento. Quando entrava na Pensão Monte Cario e Carol saudava-o com ternura: “seu Aragãozinho”, após ter dito coronel, doutor, comandante, tenente aos outros quatro.

Quando uma nova mulher era descoberta e incorporada à roda, na mesa de um cabaré ou na sala clandestina de um castelo, e, ao informar-se da condição dos demais, perguntava por seu título ou propunha-se a adivinhá-lo:

- Deixe que eu adivinho. O senhor é major, sou capaz de jurar.

Quando no palanque governamental, eram apresentados pelo chefe do Estado a uma personalidade e após as sílabas sonoras dos títulos proclamados, chegava sua vez:

- Seu Vasco Moscoso de Aragão, grande comerciante da praça. 

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