segunda-feira, abril 14, 2014

Por que diabo, então, aquela tristeza?
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 54











Tanta coisa passara, até mesmo a paixão de Vasco e Dorothy, tão intensa e febril, tão impetuosa e profunda durante uns tempos. A ponto de ter mandado tatuar seu nome no braço direito, seu nome bem-amado e um coração, trabalho executado com perícia por um chinês de barbicha, surgido na Bahia ninguém sabe como.

Foi o doido xodó declinando naturalmente, pouco a pouco, no convívio quotidiano. Vasco começou a botar os olhos compridos noutras mulheres, a dar sua dormidinha aqui e acolá, se bem Dorothy permanecesse todo o verão à sua custa, na casinha de Amaralina, e a levasse a dançar na Pensão Monte Carlo.

Quando chegou o inverno, ela voltou de vez para a Pensão, e Carol, conhecedora da natureza humana e da fragilidade dos enrabichamentos, aconselhou-a a sorrir para os outros fregueses, a animá-los em suas pretensões.

Vasco guardou certos direitos de prioridade e certa responsabilidade em seus gastos, mas o amor terminara.

Só aquela velha tristeza, a melancolia a ensombrar-lhe os olhos e marcar-lhe o sorriso, continuara e crescia. Os amigos começaram a suspeitar seriamente de enfermidade secreta, estaria Vasco condenado à morte em prazo curto e guardava segredo.

Talvez uma doença do coração, conhecida apenas dele e do médico. Não morrera do coração, ainda moço, o seu pai? O que explicaria muita coisa, segundo o Coronel Alencar, defensor exaltado dessa tese: o celibato de Vasco, o esbanjamento de dinheiro, a ânsia de viver depressa, como se quisesse apossar-se do máximo dos bens da vida no pouco tempo de que dispunha. Não podia ser outra a causa misteriosa.

Desiludiu-os o Dr. Menandro Guimarães, clínico de fama, aliás especializado em coração, a quem Vasco levara, mais de uma vez, para consultas, a frágil Dorothy, sujeita a gripes consoantes.

- Aquilo é forte como um touro - respondera o Dr. Menandro à comissão de amigos. - Tem um coração de jegue. Vai morrer de velhice, como o avô. Idéia mais absurda, essa de vocês.

- Merda! - exclamou o Comandante Georges Dias Nadreau. - Hei de descobrir o motivo dessa aflição do homem. E aposto que descubro.

- Vasco é assim, deve ser coisa de sua natureza, por que preocupar-se? - filosofava o médico para quem só os males do corpo contavam.

- Porque não tolero ver gente triste. Muito menos amigo meu.

Iniciou-se então a “fase do grande interrogatório”, como a intitulou Jerónimo. Encontravam-se com Vasco e o Comandante Georges começava a sondá-lo, a puxar assuntos os mais diversos, a querer arrancar-lhe confissões.

Vasculhou a infância, a adolescência do amigo, os tempos no escritório, a viagem como caixeiro-viajante, seus primeiros amores, seus planos.

Não se contentava o capitão dos portos em puxar pela língua do comerciante. Entrevistou-se com Menendez, com o sueco Johann - sempre enrabichado por Soraia, com quem passara a viver amancebado - até com o negro Giovanni manteve longa conferência.

Infrutíferas pesquisas, não conduziam a nada. Jamais encontrara Georges um homem com tantas razões para ser alegre, mais completa e totalmente feliz.

 Por que diabo, então, aquela tristeza?

 Mas tudo no mundo tem um fim, mesmo o segredo mais bem guardado. Tudo termina por conhecer-se, todo o mistério encontra um dia sua explicação.

 Foi em noite de grande bebedeira, comemoravam o aniversário do Tenente Lídio Marinho e seu compromisso de casamento. O tenente noivara naquela tarde, numa festa íntima, com a filha de um fazendeiro do sul do Estado, o casamento fora marcado para Dezembro.

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