Por que diabo, então, aquela tristeza? |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 54
Tanta coisa passara, até mesmo a paixão de Vasco e Dorothy, tão intensa e febril, tão impetuosa e profunda durante uns tempos. A ponto de ter mandado tatuar seu nome no braço direito, seu nome bem-amado e um coração, trabalho executado com perícia por um chinês de barbicha, surgido na Bahia ninguém sabe como.
Foi o doido xodó declinando
naturalmente, pouco a pouco, no convívio quotidiano. Vasco começou a botar os
olhos compridos noutras mulheres, a dar sua dormidinha aqui
e acolá, se bem Dorothy permanecesse todo o verão à sua custa, na casinha de
Amaralina, e a levasse a dançar na Pensão Monte Carlo.
Quando chegou o inverno, ela voltou de
vez para a Pensão, e Carol, conhecedora da natureza humana e da fragilidade dos
enrabichamentos, aconselhou-a a sorrir para os outros fregueses, a animá-los em
suas pretensões.
Vasco guardou certos direitos de
prioridade e certa responsabilidade em seus gastos, mas o amor terminara.
Só aquela velha tristeza, a melancolia a
ensombrar-lhe os olhos e marcar-lhe o sorriso, continuara e crescia.
Os amigos
começaram a suspeitar seriamente de enfermidade secreta, estaria Vasco
condenado à morte em prazo curto e guardava segredo.
Talvez uma doença do coração, conhecida
apenas dele e do médico. Não morrera do coração, ainda moço, o seu pai? O que
explicaria muita coisa, segundo o Coronel Alencar, defensor exaltado dessa
tese: o celibato de Vasco, o esbanjamento de dinheiro, a ânsia de viver
depressa, como se qui sesse
apossar-se do máximo dos bens da vida no pouco tempo de que dispunha. Não podia
ser outra a causa misteriosa.
Desiludiu-os o Dr. Menandro Guimarães,
clínico de fama, aliás especializado em coração, a quem Vasco levara, mais de
uma vez, para consultas, a frágil Dorothy, sujeita a gripes consoantes.
- Aqui lo
é forte como um touro - respondera o Dr. Menandro à comissão de amigos. - Tem
um coração de jegue. Vai morrer de velhice, como o avô. Idéia mais absurda,
essa de vocês.
- Merda! - exclamou o Comandante Georges
Dias Nadreau. - Hei de descobrir o motivo dessa aflição do homem. E aposto que
descubro.
- Vasco é assim, deve ser coisa de sua
natureza, por que preocupar-se? - filosofava o médico para quem só os males do
corpo contavam.
- Porque não tolero ver gente triste.
Muito menos amigo meu.
Iniciou-se então a “fase do grande
interrogatório”, como a intitulou Jerónimo. Encontravam-se com Vasco e o
Comandante Georges começava a sondá-lo, a puxar assuntos os mais diversos, a
querer arrancar-lhe confissões.
Vasculhou a infância, a adolescência do
amigo, os tempos no escritório, a viagem como caixeiro-viajante, seus primeiros
amores, seus planos.
Não se contentava o capitão dos portos
em puxar pela língua do comerciante. Entrevistou-se com Menendez, com o sueco
Johann - sempre enrabichado por Soraia, com quem passara a viver amancebado -
até com o negro Giovanni manteve longa conferência.
Infrutíferas pesqui sas,
não conduziam a nada. Jamais encontrara Georges um homem com tantas razões para
ser alegre, mais completa e totalmente feliz.
Por que diabo, então, aquela tristeza?
Mas tudo no mundo tem um fim, mesmo o segredo
mais bem guardado. Tudo termina por conhecer-se, todo o mistério encontra um
dia sua explicação.
Foi em noite de grande bebedeira, comemoravam
o aniversário do Tenente Lídio Marinho e seu compromisso de casamento. O tenente
noivara naquela tarde, numa festa íntima, com a filha de um fazendeiro do sul
do Estado, o casamento fora marcado para Dezembro.
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