Uma condecoração, meu filho. Uma bela condecoração. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 61
Rafael Menendez, ao receber as ordens, baixou a cabeça num assentimento, escondendo o sorriso calculista. Declarou ser aquela distinção conferida ao chefe uma grande honra para toda a firma. E esfregava as mãos eternamente húmidas.
Giovanni, surpreso e sem entender aquela
súbita qualidade marítima do patrãozinho, mas achando-a merecida, contou-lhe
histórias de seu tempo de embarcadiço e, quando Vasco aparecia na firma, era
com Giovanni sua maior demora, o negro a puxar pelo bestunto.
Após os cartões de visita, sua imediata
preocupação foram as fardas. Seu alfaiate, dos melhores da cidade, revelou-se
incapaz mas deu-lhe indicações: havia uma alfaiataria, na Baixa do Sapateiro,
especializada em uniformes, lá os comandantes dos navios da Bahiana mandavam
talhar suas túnicas e calças.
Também os oficiais do Exército. E, nas
proximidades do carnaval, a rapaziada dos clubes ali encomendava as fantasias
de príncipe russo, conde italiano, mosqueteiro francês e pirata sem pátria.
Encomenda tão grande de um único freguês
não recebera ainda a alfaiataria, foi um rebuliço. Vasco queria pelo menos duas
fardas de cada tipo, para verão e inverno, para o diário e para festas, fardas
de gala e grande gala, em mescla azul e em branco, com os bonés apropriados, e
fios de ouro de verdade.
Um enxoval completo. E tinha pressa, era
indispensável uma farda de gala pelo menos, pronta daí a qui nze
dias para a parada do Dois de Julho.
O alfaiate em delírio prometeu horas
extraordinárias, noites sem sono, para entregar-lhe em tempo uma farda branca
para o desfile matinal e uma azul para a recepção à noite, em Palácio.
Vasco garantiu-lhe, em troca, polpuda
gratificação para os componentes oficiais da agulha.
Foi uma apoteose naquela manhã do 2 de
Julho quando, no Largo da Soledade, tudo disposto para o início do desfile - as
carretas com o caboclo e a cabocla, os andores com os retratos de Maria
Quitéria, Labatut e Joana Angélica, os oradores a postos, o Coronel Pedro de
Alencar à frente da tropa formada, o Comandante Georges Dias Nadreau à testa
dos marinheiros da Capitania, as bandas marciais executando dobrados - quando
ali apareceu, em sua farda branca com alamares de ouro, o Comandante Vasco
Moscoso de Aragão e se incorporou ao grupo das autoridades civis, à espera do
Governador.
Firme e teso ouviu os discursos, o
coração latindo de patriotismo e orgulho. Ao lado de Jerónimo desfilou, atrás
do Governador, do coronel, do capitão dos portos até o Largo da Sé, atestado de
gente, em cuja venerável igreja o Arcebispo celebrou o Te Deum.
À
noite, na recepção, envergava a farda azul, mais formal e sumptuosa, em
compensação quente como quatrocentos diabos. Não havia, em toda a festa, figura
mais esplêndida e nobre, postura tão digna e distinta.
Em certo momento, Georges aproximou-se
dele, cumprimentou-o:
- Você está perfeito, o próprio Vasco da
Gama teria inveja se o visse.
Falta apenas uma coisa para completar
essa prosápia toda.
- O quê? - alarmou-se Vasco.
- Uma condecoração, meu filho. Uma bela
condecoração.
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