sábado, maio 10, 2014

...engoliu duas pílulas do vidro comprado na farmácia...
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 76












Do comandante presidindo a mesa de bordo, em mar agitado, com ameaças de revolução intestino e intestinal.


Não esteve a sala de refeições muito concorrida no jantar daquela primeira noite. Chovia e ventava, e, no mar picado, jogava valentemente o navio, desanimando os passageiros, recolhidos em sua maioria às cabines.

Preferiria Vasco talvez descansar em seu beliche das emoções de tão movimentado e decisivo dia. Seria mais seguro também: por vezes subia-lhe do estômago um engulho ameaçador.

Cabia, porém, ao comandante presidir as refeições dos passageiros, no centro da grande mesa principal. O imediato, o comissário, os pilotos, o médico, revezavam-se na presidência das mesas menores.

 Não podia faltar, fez das tripas coração, engoliu duas pílulas do vidro comprado numa farmácia, com garantias expressas do empregado.

Quem sabe, encontraria na sala a dama do pequinês, trocaria com ela um sorriso e umas palavras. Já o senador do Rio Grande do Norte, Dr. Homero Cavalcanti, esperava esfomeado e impaciente.

Com o senador à direita, e, à esquerda, um deputado federal pela Paraíba, Dr. Othon Ribeiro, grande proprietário e banqueiro, o comandante deu sua primeira ordem a bordo: mandou servir o jantar.

Olhou em torno à sala: muitos lugares vazios, a senhora do cachorro não se animara a enfrentar o mar encapelado. Uma pena.

O senador e o deputado discutiam política, a sucessão presidencial em plena marcha, agitado aquele ano de 1929 com a escolha das candidaturas de Júlio Prestes e Getúlio Vargas, e a formação da Aliança Liberal, reunindo os governadores do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.

 O deputado paraibano ameaçava o poder com revoluções iminentes e fatais, sussurrava estarem Siqueira Campos, Carlos Prestes, João Alberto e Juarez Távora incógnitos e clandestinos cortando o Brasil de ponta a ponta, pondo de pé o movimento armado.

Ria o senador daqueles boatos: o país encontrava-se calmo e satisfeito, apoiando o programa de trabalho do eminente Dr. Washington Luiz, a ser continuado pelo seu sucessor, o não menos eminente paulista Dr. Júlio Prestes.

Não passava toda aquela agitação de tempestade em copo dágua, não ia além dos discursos inflamados dos oradores gaúchos, João Neves, Batista Luzardo, Oswaldo Aranha.

Quanto aos militares, esses revolucionários de meia-pataca, caso se atrevessem a cruzar a fronteira, abandonando o exílio no Prata, seriam impiedosamente caçados pela polícia, metidos no xadrez.

O comandante inclinava-se à direita, ouvia, respeitoso, as palavras oficiais do senador.

- Polícias... Xadrez... Ora, meu caro senador, não se iluda. Essa sua polícia não vale nada. Então o ilustre amigo não sabe que ainda outro dia Siqueira Campos foi visto em São Paulo?

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