Aguardamos as suas ordens, comandante. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 75
- O Comandante foi muito gentil -
explicou Antunes.
- Cumpro meu dever, apenas.
Era apresentado ao comissário de bordo,
os passageiros cercavam-no curiosos, aquela vinha sendo uma acidentada viagem,
com morte a bordo, o corpo do comandante uma noite e um dia na sala de danças
transformada em câmara mortuária, a ameaça de demora na Bahia, a notícia
auspiciosa da descoberta de um comandante retirado.
Atravessou, guiado por Américo Antunes,
por entre a numerosa desordem do embarque, gente a despedir-se, malas
transportadas por cabineiros, crianças a atrapalharem os passantes, os latidos
de um cão assustado nos braços de madura e enfeitada senhora.
Rosnou ameaçador o pequi nês
para o comandante, querendo libertar-se das mãos da viajante. Esta sorriu ao
capitão de longo curso e desculpou-se:
- Perdoe-lhe, Comandante, ele não
imagina quanto lhe devemos...
Sabiam os passageiros do seu gesto e o
valorizavam, sentiu-se Vasco envaidecido:
- ... Meu dever, minha senhora...
Bonitona, o rastro de seu perfume
acompanhou o comandante,
que perguntava baixinho a Américo:
- Então é só dizer...
- ... é só dizer...
Subiram a pequena escada conduzindo à
coberta reservada aos oficiais. O marinheiro os precedera e colocava as malas
do comandante em sua cabine. Vasco apontava o leito:
- Ele morreu aí?
- Não. Morreu na ponte de comando, um
colapso, coitado. Passava o médico de bordo, foi-lhe apresentado e os
acompanhou à ponte de comando, onde os oficiais já esperavam, perfilados.
- O Comandante Vasco Moscoso de Aragão,
que nos dá a honra e presta-nos o obséqui o
de assumir o comando do navio até Belém.
- Geir Matos, o nosso imediato.
Adiantou-se um rapaz loiro, sorridente.
Vasco teve a impressão de uma troca de olhares entre ele e o representante da
Companhia, como um piscar de olhos. Mas já o imediato estendia-lhe a mão:
- Muita honra em servir sob as ordens de
quem ostenta tão alta condecoração - referia-se à comenda da Ordem de Cristo,
no peito da farda, a brilhar.
Seguiram-se os pilotos, o chefe das máqui nas», o segundo-maqui nista.
Então o imediato, à frente dos demais,
na ponte de comando, inclinou-se:
- Aguardamos suas ordens, Comandante.
Vasco lançou um olhar a Américo Antunes,
este fez um leve gesto com a cabeça, como a animá-lo, o comandante falou:
- Os senhores sabem que minha presença aqui é apenas uma formalidade exigida pela lei. Não
vou querer modificar seja o que for nesses poucos dias de comando. O navio está
em boas mãos, meus senhores. Continue, senhor imediato, a comandá-lo, não
desejo envolver-me em nada.
- Bem se vê, Comandante, ser o senhor um
velho lobo-do-mar, conhecedor dos costumes da navegação. Só recorreremos ao
senhor, se algum problema grave surgir inesperadamente, exigindo seus
conhecimentos, o que, espero, não aconteça.
Américo Antunes finalizou a cerimónia:
- O navio é seu, Comandante. Eu lhe
desejo, em nome da Costeira, uma viagem agradável.
Despediu-se, aproximava-se a hora da
partida. Vasco ficou na ponte de comando, ouvindo o imediato transmitir as
ordens. Retiravam a escada a ligar o navio ao cais, o apito saudoso perdeu-se
além das torres das igrejas, lenços acenavam adeuses, mulheres choravam sob a
chuva.
O navio foi-se afastando lentamente, nas
primeiras manobras. Vasco olhou em direção a Periperi. Lá estariam, na praia,
os amigos, certamente, Zequi nha
Curvelo, de braço estendido, mão de adeus, a desejar-lhe sucesso e boa viagem.
Gostaria o comandante de levar a luneta
ao olho, procurá-los na chuva e na distância a fazer-se maior. Mas não se
atrevia sequer a mover-se, naquela hora solene das ordens de partida.
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