quinta-feira, maio 15, 2014

Debroçou-se na amurada, saíam-lhe a honra e a vida em golfadas...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 80






               





O vento jogou-lhe nariz adentro a pesteada fumaça do charuto, uma onda mais forte balançou o navio. Vasco apressou-se para a cabine, o médico descia a escada, felizmente.

Porque não houve tempo de alcançar a almejada porta. Debruçou-se mesmo na amurada, saíam-lhe a honra e a vida em golfadas, tinha a impressão de haver chegado sua derradeira hora, sentia-se sujo, humilhado, reduzido a um trapo. Olhou a medo: ninguém nas proximidades. Foi andando para a cabine, trancou-se por dentro, jogou-se no beliche sem forças para tirar a roupa.



Do Ita navegando ao sol, capítulo quase folclórico, a ler-se com o acompanhamento musical de “Peguei um Ita no Norte”, de Dorival Caymmi



Amanheceu um sol de 2 de Julho de tão brilhante e cálido, o céu despejado, o mar como um lençol de aço reluzente cortado pelo orgulhoso Ita de altaneira proa.

 Quando o comandante saiu do banho e encontrou o café da manhã servido na cabine, o moço de bordo muito solícito a sorrir-lhe, novamente estava de crista erguida e sorvia o ar marinho como nos tempos de suas travessias nas rotas da Ásia e da Austrália.

 Vestiu a farda branca, trauteando a melodia daquela canção da bailarina Soraia, uma que falava em mar e marinheiros.

Espalhava-se pelas salas, tombadilhos e corredores a característica população daqueles Itas que durante tantos e tantos anos subiram e desceram a costa brasileira, de Porto Alegre a Belém do Pará quando os aviões ainda não cruzavam os céus aproximando as distâncias, encurtando o tempo e retirando às viagens toda a sua poesia e o seu encanto.

Quando o tempo era mais lento e menos desperdiçado, menos gasto na sofreguidão inútil de chegar quanto antes, numa avidez de viver tão depressa que transforma a vida numa pobre aventura sem cor e sem sabor, uma corrida, um atropelamento, um cansaço.

Existiam três tipos de Ita, os grandes, os médios, os pequenos, com certas diferenças de conforto e rapidez, mas eram uns e outros igualmente alegres, limpos, agradáveis.

A viagem, um prazer: estabeleciam-se relações, faziam-se amigos, iniciavam-se namoros e noivados, não existia melhor lua-de-mel para os recém-casados, eram de festa os dias de bordo.

Os Itas grandes só escalavam nas capitais importantes e, indo do Rio para o Norte, arribavam nos portos de Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, Belém.

 Os médios incluíam Vitória, Maceió, São Luís, em seu itinerário. Os pequenos alargavam a viagem, parando também em Ilhéus, Aracaju, Cabedelo, Parnaíba, desembarcando e recebendo passageiros.

 Era um dos maiores, aquele agora entregue ao comando do Capitão de Longo Curso Vasco Moscoso de Aragão.

Nele movimentava-se a irrequieta e álacre humanidade habitual dos Itas: políticos em visita às suas bases eleitorais ou voltando de rápida viagem ao Rio.

Os políticos iam e vinham naquele ano da campanha presidencial, num trânsito intenso de esperanças e ambições.

Comerciantes e industriais, regressando com a família, do passeio à Capital da República, excursão de prazer e de negócios. Moças e senhoras de volta de uns tempos passados em casas de parentes, no Rio ou em São Paulo; caravanas de estudantes retornando da clássica viagem ao Sul nos meados do ano de formatura, a recordar, entre gargalhadas, detalhes das farras, dos cabarés, dos passeios, das mulheres e, por vezes, das paisagens vistas.

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