sexta-feira, maio 16, 2014

Entre eles. passava , com a sua impecável farda branca...
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 81












Convalescentes de operações e tratamentos difíceis, tendo ido buscar na metrópole as condições hospitalares inexistentes em seus Estados, a ciência e os cuidados dos médicos de fama nacional e preço alto.

Solteironas na esperança de um noivo surgido das ondas; padres em férias; frades destinados à catequese nas selvas; literatos federais no rumo das praças do Norte, sonetos e conferências nas malas; funcionários do Banco do Brasil transferidos, curiosos sobre as cidades, onde irão servir.

Jogadores profissionais de poker, a mudar de navio a cada viagem, de um Ita para um Ara, de um Ara para um Lloyd Brasileiro, a arrancar o dinheiro dos fazendeiros de cacau, de algodão, de babaçu, de criadores de gado e de usineiros, de regresso da primeira e inesquecível visita ao Pão-de-Açúcar, ao Corcovado, a Copacabana e Botafogo, ao Assírio, cabaré no subsolo do Teatro Municipal, ao Mangue.

Caixeiros-viajantes das grandes firmas com o seu repertório de anedotas. E a inspiradora presença das prostitutas, relegadas em geral à 2ª classe, os olhos voltados também para os fazendeiros e comerciantes, aparecendo pela madrugada nos tombadilhos e cobertas de 1ª-

Era um desses Itas nos quais desceram do Norte e do Nordeste os políticos e administradores, os poetas e os romancistas, os “cabeças-chatas” impávidos e pobres, de peito aberto e indómita resistência às cruezas da vida, feitos de vivacidade, de imaginação e força de vontade, dotados do dom da improvisação e do poder de criação, nascidos nas terras áridas, batidas pela seca, ou nas barrancas dos rios gigantescos de cheias colossais, os paraenses e baianos, os pernambucanos e cearenses, alagoanos, maranhenses, sergipanos, piauienses, os papa-jerimuns do Rio Grande do Norte. Aqueles que viraram música popular na voz do poeta e cantor das graças da Bahia, junto com todos os Itas:

“Peguei um Ita no Norte,
Prá vim pró Rio “morá”
Adeus meu pai, minha mãe,
Adeus Belém do Pará”.

Os que regressavam agora, sob o comando e aos cuidados de Vasco, eram os mesmos embarcados há muitos anos, noutro Ita qualquer, em demanda do Sul, da fortuna, do sucesso, do poder ou apenas da possibilidade de ganhar a vida.

Entre eles passava, com sua impecável farda branca, o Comandante Vasco Moscoso de Aragão.

Estivera antes na ponte de comando, onde o primeiro-piloto lhe informara encontrar-se tudo em ordem, sem novidades, transcorria a viagem normalmente, chegariam a Recife na manhã seguinte e partiriam, se ele estivesse de acordo, às 17 horas.

- Já disse não desejar fazer nenhuma alteração nem meter-me a dar ordens onde tudo está em boas mãos. Vou dar uma volta por aí.

- Muito bem, Comandante. Sua presença vai alegrar os passageiros, eles adoram conversar com o Comandante, fazer perguntas sobre a viagem.

Ia distribuindo amáveis “bons dias” e sorrisos. Acariciou a cabeça de uma criança a correr no convés. Acendera o cachimbo: se o mar se conservasse assim, seria essa viagem o prémio de sua vida.

Em espreguiçadeiras descansavam várias pessoas. Rapazes e moças, em ruidosa animação, disputavam partidas de malha, pingue-pongue e golfe de convés

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