sexta-feira, maio 30, 2014

Mas, Comandante, o que é isso?
OS VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio Nº 93










- Dança bem, Comandante. Eu é que agradeço. Foi para junto de Clotilde, ao piano. Ela comentou:

- Pra isso é que me pediu para tocar, não foi?

Não houve mais passeio naquela noite. Quando, finalmente, os jovens deixaram-na levantar-se e partir, já era quase meia-noite e Clotilde preocupava-se com o pequinês, sozinho na cabine.

Combinaram visitar juntos Recife, no dia seguinte. Ela ainda estava um pouco arrufada e tachou a mameluca de “desavergonhada”.

Vasco foi à sala de jogo. Rapazes jogavam king, três mesas de poker estavam funcionando. Numa delas, brilhava o tal capitalista em viagem de prazer, numa cadeira a peça de biscuit. Os outros parceiros eram comerciantes e fazendeiros. Perdiam os três. Vasco puxou uma cadeira, sentou-se ao lado do afortunado jogador:

- Dão-me licença?

- Ora, Comandante, por favor ... - respondeu um dos fazendeiros.

- Conhece o jogo, Comandante? - perguntou o rapaz de sorte.

- Não sei jogar, não entendo. Mas gosto de ver...  Quem está ganhando?

- Não está vendo? - falou outro perdedor. - O Dr. Stênio. Nunca vi tanta sorte. Está de ganhador aberto.

O citado Dr. Stênio riu satisfeito, da pilhéria talvez, talvez da notícia sobre a ignorância do comandante em matéria de poker. Demorou-se Vasco, ali sentado, fazendo, de quando em vez, uma pergunta idiota a propósito do valor dos jogos e das apostas. Acompanhava Stênio a dar cartas, interessado.

- O senhor desembarca em que porto, Dr. Stênio?

- Em Belém. Ficarei alguns dias por lá, talvez siga até Manaus num vaticano. Devo voltar no Almirante Jaceguay, do Lloyd. - E replicava a aposta de um fazendeiro: - Seus 32 mais 64.

Por volta de uma hora e meia da madrugada, um dos parceiros, cujas perdas subiam a vários contos de réis, propôs a roda-de-fogo. Vasco assistiu à prestação de contas, às despedidas.

Um dos fazendeiros ficaria em Recife, lamentou não continuar a viagem para recuperar o prejuízo. O Dr. Stênio embolsava os lucros, ia pegar a peça de biscuit, preparava-se para recolher-se à cabine.

O comandante, no entanto, deixando partir os outros parceiros, disse-lhe:

- Ainda é cedo, vamos conversar um pouco, Doutor .. .

- Estou morrendo de sono, Comandante. Fica para amanhã.

- Hoje mesmo e agora. Ouça, seu batoteiro vagabundo, você não vai a Belém, interrompe sua viagem em Recife...

- Mas, Comandante, o que é isso?

- É o que eu lhe digo. Nasci jogando poker, meu caro. Andei quarenta anos embarcado, vinte comandando navios na Ásia, conheço toda a corporação dos profissionais de bordo... Desembarque calado se não quiser ir para o xadrez...

- Mas paguei minha passagem ...

- Capital bem empregado, já rendeu juros demais. Então?

- Se o senhor manda... - não discutia, aquilo fazia parte das regras do jogo de sua vida, esperaria outro barco para subir até Belém.

Levantava-se Vasco, tomava a peça de porcelana, retirava-se:

- Boa noite...

- Mas, Comandante, me desculpe, esse negócio aí, que o senhor vai levando, é meu ...

- Seu? O quê?

- Esse troço bonito .. . Ganhei na víspora e na pura sorte. Sem batota...

- Sem batota? Pode ser... Mas, isso dá uma urucubaca danada no poker. Aliás, você já teve a prova... É melhor deixar comigo.

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