Diga-me - Qual a diferença entre balzaquianas e baqueanas? |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 105
- Não. Quero dizer baqueana mesmo. Uma
coisa são as balzaqui anas, outra,
muito diferente, são as baqueanas. Clotilde Maria da Assunção Fogueira é uma
baqueana...
- Nome comprido, de nobre... - disse a
recém-casada.
- O pai era representante comercial,
enriqueceu. O irmão ampliou a firma, está muito bem.
A senhora de cabelos brancos levantou a
mão onde um anel soberbo era valorizado pela elegância de seus dedos; fez um
gesto para o advogado, seu largo rosto cearense aberto num sorriso:
- Diga-me, Doutor Morais - qual a
diferença entre as balzaqui anas e
baqueanas?
- E a senhora não conhece, por acaso,
dona Domingas, a teoria das baqueanas? Uma teoria famosa, baseada em estudos de
psicólogos e psiqui atras, existe
toda uma biblioteca sobre o assunto. Creio que Freud até lhe dedicou um livro...
- sorria o advogado, contente de brilhar.
- Baqueanas? - interrompeu o Reverendo
Padre Clímaco, fechando o breviário - De Bach? - em sua distante freguesia, no
interior do Amazonas, a vitrola e os discos eram o consolo e a vida, e Bach a
sua paixão terrena.
O navio singrava águas verdes e tranqui las, ao longo da linha alva das praias.
Temerárias jangadas entravam mar adentro, passageiros na amurada observavam as
velas minúsculas na distância. O comandante parara, apontava com o dedo uma
jangada, entregava a luneta a Clotilde.
- Não, meu Santo Padre. Baqueana não vem
de Bach. E grande é a diferença, dona Domingas, entre elas e as balzaqui anas. Pequenos detalhes estabelecem grandes
diferenças - o advogado tinha fama, em Belém, de amar os paradoxos.
Publicara, tempos atrás, um pequeno volume de
Pensamentos e Máximas, muito louvado pela imprensa local, pela “originalidade
dos conceitos e o castiço do estilo a recordar Herculano, Garrett e Camilo”,
segundo um crítico da terra. Seu anel de grau, o rubi cercado de brilhantes,
lançava fulgurações sobre a negra capa do breviário.
- Venha então essa teoria, Doutor. Não
se faça difícil - exigiu dona Domingas, acomodando-se na cadeira para melhor
gozar as boutades do advogado, a quem conhecia de viagem anterior.
- A teoria, altamente científica como eu
disse, refere-se às mulheres já de certa idade.
- De minha idade...
- Sua beleza não tem idade, minha
senhora. Quanta moça não qui sera ter
a graça dessa avó... Bem: a balzaqui ana era, segundo Balzac, a mulher aos trinta
anos. Hoje, com o progresso e a arte da maqui lagem,
aos trimta anos a mulher é ainda uma jovenzimha.
Reparem, por exemplo, na esposa do Dr.
Hélio, aquele médico de Natal. Tem trinta e cinco anos, o marido me disse.
Parece, no entanto, uma adolescente.
- É uma bonita senhora - apoiou o
senador. - E distinta...
- Mal empregada, o marido é um caco
velho... - comentou um dos estudantes.
O reverendo o interrompeu:
- Olhe a caridade cristã, meu filho ...
- E lembre-se daquele mandamento: “Não
cobiçarás a mulher alheia” - completou o advogado.
- Senhora honestíssima! - o senador
fitava reprovativo o estudante encabulado.
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