quarta-feira, junho 18, 2014

Ele foi embora e não voltou...
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 109











- Um dia, finalmente, amigos do médico, políticos do Maranhão, arranjaram-lhe um emprego no Rio, médico da Prefeitura, uma coisa assim.

- Ele foi embora e não voltou...

- Calma, senador. Deixe-me contar a história.

 O casamento foi marcado às pressas, ele devia ir tomar posse do emprego já com a esposa. Casamento pomposo, família conhecida. Deviam os noivos partir para o Rio uns dias depois da festa. Prestem atenção agora num detalhe importante: no mesmo dia do casamento saía de Belém um desses Itas para o Sul.

Voltavam a enxergar através da janela, Vasco e Clotilde em seu lento passear, o comandante com seu cachimbo, ela com seu cãozinho, ele certamente a relatar-lhe excitante história, pois a baqueana escutava atenta. Esperaram vê-los desaparecer para os lados da proa.

- O casamento devia ser realizado em casa da noiva, tanto o civil como o religioso, era moda naquela época, gente importante só casava em casa.

Festança grossa, comida e bebida em quantidade. O médico havia almoçado em casa dos futuros sogros, fora trocar de roupa, enviar as malas para o hotel onde passariam a noite de núpcias.

O ato civil estava marcado para as cinco horas, em seguida seria o religioso. Às quatro e meia, chegou o padre, velho amigo da família. Daí a dez minutos, o juiz com o escrivão.

- E o noivo?

- Tenha calma. O noivo estava atrasado, pois às cinco e dez, quando, em seu elegante vestido de casamento, a noiva chegou à sala, ele ainda não aparecera.

 Os convidados cercavam Clotilde, elogiando-lhe o véu e a grinalda. O atraso do noivo atingiu o limite tolerável da meia hora. Mandaram um portador à pensão onde ele morava, a proprietária informou ter o doutor partido com as malas, dizendo que ia casar-se.

O portador voltou às seis menos dez. Às seis, o juiz ameaçou retirar-se, os convidados, incómodos e inconformados, levantavam hipóteses. À seis e dez...

- Chego a estar nervosa...

- ... o irmão da noiva saiu para ir à polícia e à Assistência Pública. Voltou quase às sete, sem notícias, mas, às seis e meia o juiz havia ido embora, protestando.

Quando ele se retirou, levando o escrivão, Clotilde teve o primeiro chilique, anunciador da Grande Baqueana. A partir das sete começou a debandada dos convidados, furiosos e desolados, a comida e a bebida não chegaram a ser servidas.

Às oito e meia, o padre, tendo buscado consolar inutilmente a noiva e a família, desertou. Às nove, o irmão da noiva que, às oito, novamente saíra a investigar, voltou com a notícia incrível: o miserável tinha partido para o Rio no Ita, comprara a passagem a bordo, onde chegara quando já iam retirando a escada, às cinco em ponto.

- Que coisa...

- Foi assim que Clotilde Maria da Assunção Fogueira de transformou em Tilde Chilique, ingressando directamente na subcategoria das Grandes Baqueanas de Coração Ferido...

- Nunca mais teve outro noivo?

- Nunca mais, senhorita Moema. Primeiro porque, ferida em seu orgulho, levou muito tempo sem frequentar festas e passeios. Trancada em casa, a tocar seu piano. Depois, quando quis, não encontrou mais quem a quisesse...

Vive com o irmão, passa tempos no Rio com a irmã, dá aulas de piano, cuida de seu pequinês - as Grandes Baqueanas sempre têm um cão ou um gato - amarra seus chiliques, mas, como podem comprovar, ainda conserva esperanças. É uma baqueana típica.

- História triste... - disse dona Domingas. - Tenho pena dela.

- Esse médico não era lá um carácter cristalino, que se diga - comentou o reverendo.

- Se fosse em Natal, não ficaria assim. Pelo menos uma surra ele levava - sentenciou o senador.

- E o noivo, que lhe aconteceu? - sorria, curiosa, a mameluca.

- Casou com a filha de um sujeito rico e importante, do Rio. Continuou na Prefeitura, mas entrou na alta roda, com o dinheiro do sogro e a beleza da esposa.

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