Ele foi embora e não voltou... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 109
- Um dia, finalmente, amigos do médico, políticos do Maranhão,
arranjaram-lhe um emprego no Rio, médico da Prefeitura, uma coisa assim.
- Ele foi embora e não voltou...
- Calma, senador. Deixe-me contar a história.
O casamento foi marcado às
pressas, ele devia ir tomar posse do emprego já com a esposa. Casamento
pomposo, família conhecida. Deviam os noivos partir para o Rio uns dias depois
da festa. Prestem atenção agora num detalhe importante: no mesmo dia do
casamento saía de Belém um desses Itas para o Sul.
Voltavam a enxergar através da janela, Vasco e Clotilde em seu lento
passear, o comandante com seu cachimbo, ela com seu cãozinho, ele certamente a
relatar-lhe excitante história, pois a baqueana escutava atenta. Esperaram
vê-los desaparecer para os lados da proa.
- O casamento devia ser realizado em casa da noiva, tanto o civil como
o religioso, era moda naquela época, gente importante só casava em casa.
Festança grossa, comida e bebida em quantidade. O médico
havia almoçado em casa dos futuros sogros, fora trocar de roupa, enviar as
malas para o hotel onde passariam a noite de núpcias.
O ato civil estava marcado para as cinco horas, em seguida seria o
religioso. Às quatro e meia, chegou o padre, velho amigo da família. Daí a dez
minutos, o juiz com o escrivão.
- E o noivo?
- Tenha calma. O noivo estava atrasado, pois às cinco e dez, quando, em
seu elegante vestido de casamento, a noiva chegou à sala, ele ainda não
aparecera.
Os convidados cercavam Clotilde,
elogiando-lhe o véu e a grinalda. O atraso do noivo atingiu o limite tolerável
da meia hora. Mandaram um portador à pensão onde ele morava, a proprietária
informou ter o doutor partido com as malas, dizendo que ia casar-se.
O portador voltou às seis menos dez. Às seis, o juiz ameaçou
retirar-se, os convidados, incómodos e inconformados, levantavam hipóteses. À
seis e dez...
- Chego a estar nervosa...
- ... o irmão da noiva saiu para ir à polícia e à Assistência Pública.
Voltou quase às sete, sem notícias, mas, às seis e meia o juiz havia ido
embora, protestando.
Quando ele se retirou, levando o escrivão, Clotilde teve o primeiro
chilique, anunciador da Grande Baqueana. A partir das sete começou a debandada
dos convidados, furiosos e desolados, a comida e a bebida não chegaram a ser
servidas.
Às oito e meia, o padre, tendo buscado consolar inutilmente a noiva e a
família, desertou. Às nove, o irmão da noiva que, às oito, novamente saíra a
investigar, voltou com a notícia incrível: o miserável tinha partido para o Rio
no Ita, comprara a passagem a bordo, onde chegara quando já iam retirando a
escada, às cinco em ponto.
- Que coisa...
- Foi assim que Clotilde Maria da Assunção Fogueira de transformou em Tilde Chilique ,
ingressando directamente na subcategoria das Grandes Baqueanas de Coração
Ferido...
- Nunca mais teve outro noivo?
- Nunca mais, senhorita Moema. Primeiro porque, ferida em seu orgulho,
levou muito tempo sem frequentar festas e passeios. Trancada em casa, a tocar
seu piano. Depois, quando qui s, não
encontrou mais quem a qui sesse...
Vive com o irmão, passa tempos no Rio com a irmã, dá aulas de piano,
cuida de seu pequi nês - as Grandes
Baqueanas sempre têm um cão ou um gato - amarra seus chiliques, mas, como podem
comprovar, ainda conserva esperanças. É uma baqueana típica.
- História triste... - disse dona Domingas. - Tenho pena dela.
- Esse médico não era lá um carácter cristalino, que se diga - comentou
o reverendo.
- Se fosse em Natal, não ficaria assim. Pelo menos uma surra ele levava
- sentenciou o senador.
- E o noivo, que lhe aconteceu? - sorria, curiosa, a mameluca.
- Casou com a filha de um sujeito rico e importante, do Rio. Continuou
na Prefeitura, mas entrou na alta roda, com o dinheiro do sogro e a beleza da
esposa.
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