Tomou-lhe a mão, saíram pelo outro lado... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 117
E contou-lhe ele também as razões desse
seu solitário viver, de não ter casado nunca. Ela chamava-se Dorothy, o
comandante trazia o seu nome e um coração tatuados no braço.
- Tatuados? Quer dizer que não
desaparece?
- Jamais. Foi tatuagem feita por um
chinês, mestre no ofício, em Cingapura.
- Quer dizer que não a esqueceu,
certamente ainda anda atrás dela...
- Ela morreu... - no minuto de trágico
silêncio, Dorothy desenhou-se ao luar, seu esguio corpo, sua febre de amor.
Morrera antes do casamento, nas
vésperas. Tinha acabado de obter o divórcio, o marido finalmente aceitara
libertá-la...
- Ah! Era casada...
Sim, era casada quando ele a conhecera e
amara a bordo do Benedict, um grande navio a fazer a rota entre a Europa e a
Austrália. Fora paixão assim quase tão fulminante e profunda quanto a que agora
sentia, a bordo do Ita, por Clotilde.
Ela ia com o marido, mas de que valem as
convenções e as leis, diante do amor? Ele largara o navio, ela o marido, tinham
desembarcado em escondido porto asiático, à espera da decisão do marido...
- Desavergonhada... Casada...
Não, não fosse Clotilde injusta, não a
julgasse mal. Porque não houvera nada entre eles, nada chegara a acontecer.
Dorothy contara tudo ao marido e só fugira porque aquele egoísta não qui sera dar-lhe o divórcio.
Não haviam ido além de castos beijos. Ela
ficara em casa de uma santa missionária, Irmã Carol, a esperar. Só após o
divórcio e o novo casamento, seriam um do outro. A própria Dorothy assim tinha
exigido.
Obtivera finalmente o divórcio, os
papéis para o casamento estavam sendo preparados, quando a febre, aquela febre
terrível da Ásia, à qual ele era imune, acabou com ela em três dias. Com ela e
com sua carreira.
Ficara como um louco, jurara não mais entrar num
navio, e, se estava agora no comando do Ita até Belém, era porque a lei a isso
o obrigava, não podia faltar ao dever solenemente prometido, quando recebera,
após seu brilhante concurso, o diploma de comandante.
Eis por que não se casara nunca, trancara seu
coração para sempre. Mas, nesta viagem...
Ela pediu para pensar. Antes de chegar a
Belém responderia, ainda estava confusa e amedrontada. Além do mais, devia
obter o consentimento do irmão no Pará. E o de Jasmim, acrescentou sorrindo...
Na noite de luar vogava o navio, céu e
mar banhados de prata e ouro. Na coberta, juntos à amurada, o comandante e
Clotilde trocavam juras de amor. Riam sem motivo, suspiravam, diziam palavras
inconsequentes, roubavam-se beijos, apertavam-se as mãos.
Até ouvirem ruído na escada e buscarem
abrigo na sombra do barco de salvamento. Na coberta apareceu outro casal.
Primeiro viram o vulto do Dr. Firmino Morais, o advogado paraense. Espiou em
redor, terminou de subir, fez um sinal, chamando. Surgiu então, de mãos
estendidas para ele, Moema, a mameluca, e ali mesmo se abraçaram e beijaram
numa fúria e pressa de danados.
- Descarada... - murmurou Clotilde. -
Ele é casado...
- O amor - respondeu-lhe o comandante -
não respeita convenções, o amor é como a tempestade.
Tomou-lhe da mão, saíram pelo outro
lado, foram-se juntar com os passageiros no salão.
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