Comovia-se o Comandante com tamanha nobreza de alma... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 116
- Não creio e tenho medo...
Mas não retirava suas mãos das mãos de
Vasco, nele estava encostada e sentia seu hálito. Sem que ninguém saiba como
sucedeu, mistério do mar em noite de lua cheia, repousou sua cabeça de bandos
no largo ombro do comandante, ornado de dragona e âncora.
Ele passou-lhe o braço pela cintura, ela
estremeceu e suspirou. Voltou-a então contra si, as bocas se encontraram e foi
prolongado beijo de lábios com longa sede a matar, de adolescentes corações com
antiga fome a saciar.
- Oh! - suspirou ela, quando, ainda nos
seus braços, pôde respirar. - O que é que eu fiz, meu Deus? Que vergonha... E
agora, que vai acontecer
- Vamos casar, se você me aceita.. .
Ela lhe contou então sua desolada
experiência, o porquê de seu melancólico celibato. Um dia amara um homem,
dera-lhe seu coração virginal, inocente depositara nele sua confiança plena.
Era um médico, muito rico, muito famoso,
chegado do Rio para Belém.
Clientela enorme, não dava conta do
serviço. O melhor partido de Belém e louco por ela. Grande conhecedor de
música, até tocava um pouco de piano, executavam partituras a quatro mãos, as
almas na música irmanadas.
Clotilde entremeava o relato com
suspiros. Ficaram noivos, juraram-se amor eterno, assentaram a data do
casamento. Ela tinha então dezassete anos, tímida e ingénua menina da
província. Entregara seu coração ao médico, confiante em sua dignidade e em seu
amor...
Que lhe teria acontecido - perguntava-se, alarmado, Vasco.
Certamente, numa daquelas noites de
piano a quatro mãos, quando a família por acaso não se encontrava presente, ele
abusara de sua ingenuidade de menina, fizera-lhe mal e fugira depois... Deixando-a
com sua decepção e sua vergonha.
Mas nada tinha a recear. Ele não iria
respeitá-la menos, ao contrário. Cresceria seu ardente amor, se reforçaria a
decisão de lhe oferecer sua mão de esposo...
Confiante em sua dignidade e em seu
amor... Mas os homens são falsos, pelo menos quase todos... E, imagine ele o
que acontecera!, nas vésperas do casamento... Não gostava de falar naqui lo, era reabrir chaga mal cicatrizada, ainda sentia
o coração magoado: descobriu que ele desencaminhara, no Rio, uma jovem, moça
pobre, costureirinha.
A
infeliz tivera um filho e ele mandava-lhe dinheiro todo mês. Ao saber do
noivado e do próximo casamento, a desgraçada lhe escrevera uma carta, a ela, Clotilde,
contando-lhe tudo e colocando-lhe nas mãos o seu destino e o do filho.
- Que podia fazer? Despedaçando seu coração,
rompeu com o médico, exigiu que ele voltasse ao Rio e casasse com a mãe de seu
filho. Ele o fizera, hoje é médico célebre no Rio, rico e importante, todas as
tardes está no Jockey Club. A costureirinha transformou-se em grande dama.
... Quanto a ela, jurara não casar nunca, não
voltar a abrir seu coração para homem nenhum... Jamais voltara a olhar face masculina.
Mas, nesta viagem...
Comovia-se o comandante com tamanha
nobreza de alma, tanto desprendimento. Não era digno dela, sequer de beijar a
fímbria de seu vestido. Mas, como o amor eleva o ser humano, ele elevava-se até
seus olhos, sua face, sua boca, insaciável, os beijos sob o luar.
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