quinta-feira, junho 26, 2014

Comovia-se o Comandante com tamanha nobreza de alma...
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 116











- Não creio e tenho medo...

Mas não retirava suas mãos das mãos de Vasco, nele estava encostada e sentia seu hálito. Sem que ninguém saiba como sucedeu, mistério do mar em noite de lua cheia, repousou sua cabeça de bandos no largo ombro do comandante, ornado de dragona e âncora.

Ele passou-lhe o braço pela cintura, ela estremeceu e suspirou. Voltou-a então contra si, as bocas se encontraram e foi prolongado beijo de lábios com longa sede a matar, de adolescentes corações com antiga fome a saciar.

- Oh! - suspirou ela, quando, ainda nos seus braços, pôde respirar. - O que é que eu fiz, meu Deus? Que vergonha... E agora, que vai acontecer

- Vamos casar, se você me aceita.. .

Ela lhe contou então sua desolada experiência, o porquê de seu melancólico celibato. Um dia amara um homem, dera-lhe seu coração virginal, inocente depositara nele sua confiança plena.

Era um médico, muito rico, muito famoso, chegado do Rio para Belém.

Clientela enorme, não dava conta do serviço. O melhor partido de Belém e louco por ela. Grande conhecedor de música, até tocava um pouco de piano, executavam partituras a quatro mãos, as almas na música irmanadas.

Clotilde entremeava o relato com suspiros. Ficaram noivos, juraram-se amor eterno, assentaram a data do casamento. Ela tinha então dezassete anos, tímida e ingénua menina da província. Entregara seu coração ao médico, confiante em sua dignidade e em seu amor...

Que lhe teria acontecido -  perguntava-se, alarmado, Vasco.

Certamente, numa daquelas noites de piano a quatro mãos, quando a família por acaso não se encontrava presente, ele abusara de sua ingenuidade de menina, fizera-lhe mal e fugira depois... Deixando-a com sua decepção e sua vergonha.

Mas nada tinha a recear. Ele não iria respeitá-la menos, ao contrário. Cresceria seu ardente amor, se reforçaria a decisão de lhe oferecer sua mão de esposo...

Confiante em sua dignidade e em seu amor... Mas os homens são falsos, pelo menos quase todos... E, imagine ele o que acontecera!, nas vésperas do casamento... Não gostava de falar naquilo, era reabrir chaga mal cicatrizada, ainda sentia o coração magoado: descobriu que ele desencaminhara, no Rio, uma jovem, moça pobre, costureirinha.

 A infeliz tivera um filho e ele mandava-lhe dinheiro todo mês. Ao saber do noivado e do próximo casamento, a desgraçada lhe escrevera uma carta, a ela, Clotilde, contando-lhe tudo e colocando-lhe nas mãos o seu destino e o do filho.

-  Que podia fazer? Despedaçando seu coração, rompeu com o médico, exigiu que ele voltasse ao Rio e casasse com a mãe de seu filho. Ele o fizera, hoje é médico célebre no Rio, rico e importante, todas as tardes está no Jockey Club. A costureirinha transformou-se em grande dama.

 ... Quanto a ela, jurara não casar nunca, não voltar a abrir seu coração para homem nenhum... Jamais voltara a olhar face masculina. Mas, nesta viagem...

Comovia-se o comandante com tamanha nobreza de alma, tanto desprendimento. Não era digno dela, sequer de beijar a fímbria de seu vestido. Mas, como o amor eleva o ser humano, ele elevava-se até seus olhos, sua face, sua boca, insaciável, os beijos sob o luar.

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