Cabe-lhe o primeiro tiro... |
TOCAIA
GRANDE
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 6
Enquanto isso, os cabras do coronel
Boaventura Andrade
desceram pela estrada real; ainda assim
a caminhada foi penosa.
Chegaram porém a tempo e hora para armar
a tocaia e ficar à espera.
4
Ouvidos à escuta, tentando distinguir
rumor de passos em
meio à comoção da borrasca — o zunido do
vento, o estrondo do trovão, o barulho medonho da queda de um pé de pau
atingido pelo raio - encharcados,
cobertos de lama, distribuídos por detrás das árvores, no alto da colina, os
cabras esperam, tensos.
Habituados ao tempo longo das tocaias,
temperados no perigo e na luta, íntimos da morte, ainda assim não conseguem
impedir incómoda sensação de agonia diante da fúria da natureza, o fim do
mundo.
Procuram manter a calma, controlar o
sobressalto; medo maior sentem de Natário: da intempérie poderão escapar com
vida, de bala do capataz nem por milagre.
Armada a tocaia, designado o posto de
cada um, Natário determina como e quando entrar em acção, exige silêncio e
acentua a responsabilidade da empreitada: ai daquele que errar a pontaria!
Em seguida, ele próprio se coloca quase
na beira do barranco,
junto ao tronco do mulungu, de onde
domina o vale inteiro.
Empunhando a Parabelo, Natário permanece
imóvel, à espreita.
Cabe-lhe o primeiro tiro, sinal para os
cabras abrirem fogo,
sentença de morte para o tal Berilo,
pistoleiro recrutado nas
Alagoas, facínora famoso pela
perversidade, comandante da expedição.
Depois cuidará de Coroinha, o guia, se o
desinfeliz escapar
da primeira rajada ou se não tiver
capado o gato. Não chega a ter dó de Coroinha apesar de conhecê-lo há um ror de
anos:
indivíduo que serve a dois patrões, que
se vende, não merece
compaixão.
Nascido e criado nas roças do coronel Elias
Daltro, pessoa de sua estima e confiança, o vaqueiro fornecera ao inimigo
informações preciosas por dez réis de
mel coado: o número
exacto dos componentes da tropa, vinte e
sete homens, um exército!
As armas que portavam, dia e hora da
partida, e se
comprometera a emitir o grito da coruja
quando se aproximassem. Talvez cumpra o trato, talvez não.
Natário tenta perceber qualquer ruído
suspeito: galho sendo
quebrado para abrir passagem, escorrego
na lama, uma voz, cicio de conversa — vindos pela trilha, os jagunços estarão
descuidados, na certeza de que o perigo ficara para trás, nas distantes divisas
da Atalaia. Poderá escutar até mesmo, quem sabe, o pio da coruja, mas duvida.
O
mais certo é que Coroinha, ao chegar nas proximidades,
ganhe o mundo; caçador inveterado,
conhece esconderijos
e desvios. Assim imagina, assim acontece.
Houvesse confiado
no judas, teria perdido o momento
preciso para o ataque, o
arrenegado não cumpriu o trato.
Ouvido fino, o mameluco distingue, quase
adivinha o leve
chocalhar de pés na lama, pisadas
prudentes; com a mão faz um sinal aos cabras. Aguça a vista, no clarão do
relâmpago enxerga Berilo.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home