(Por Cristovam Buarque prof.
de Universidade e Senador brasileiro)
O Brasil é um País
privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo,
mas tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros
países têm nas suas histórias.
Nunca perdemos uma guerra, nem nos nos rendemos.
A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que
foi invadida e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão.
Os Estados
Unidos tiveram uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos
traumas se resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para
o Uruguai, no último minuto, 64 anos atrás.
Agora, neste 8 de Julho de
2014, ficamos com a sensação de um grande trauma nacional por causa da desastrosa
derrota por 7 a
1 que nossa selecção sofreu diante da Alemanha.
Por
sermos o país do futebol, por termos este esporte entrando na alma de nosso
povo, e por sermos actualmente bons, os melhores historicamente, nós temos a
razão de sentirmos o trauma com a derrota da selecção ontem. O que surpreende é
como não temos outros traumas.
Por exemplo, estamos
profundamente abatidos no Brasil inteiro porque perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, mas
jamais nos lembramos de que a Alemanha teve 103 Prémios Nobel e nós nenhum.
Com toda a tristeza que sinto
pelo fato de termos sido derrotados, e com um escore tão grande, do ponto de
vista do interesse nacional, do ponto de vista das consequências para o futuro,
é muito mais grave para o futuro do País o fato de estarmos perdendo para a
Alemanha de 103 a
zero, no campeonato de Prémio Nobel.
Nós não nos traumatizamos, no
dia 14 de Março de 2013, quando foi divulgado o IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) do Brasil, que nos deixou em 85º lugar, entre 106 países analisados.
Entre estes países estão alguns dos mais pobres do mundo, os 106 ficamos em 85º
– quase lanterninha –, e não nos traumatizamos.
E nós nos traumatizamos por
sermos o quarto ou até o terceiro em futebol, dependendo do resultado do jogo
no próximo sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus times na COPA. Foram
seleccionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32 foram seleccionados
como os melhores.
Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso chegou ao último
estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas chegamos
à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a quarta melhor
selecção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num sofrimento que dói na
gente, sobretudo quando vemos as crianças que choraram no estádio e nas ruas
pela derrota que elas não esperavam. Nem entendem.
Mas não nos traumatizamos no
dia 3 de Dezembro de 2013, quando foi divulgada a classificação do Brasil na
educação, entre 65 países, e ficamos em 58º.
Uma avaliação que analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico, da Europa, deixa-nos em 58º, entre 65 e não houve
nenhum trauma naquele 4 de Dezembro, dia seguinte à divulgação do resultado.
Este campeonato que não gerou qualquer tristeza, mas suas consequências para o
Brasil são muito mais trágicas, do que o resultado do jogo contra a Alemanha.
Nós não tivemos o menor
constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza, quando, no dia 1º de março
de 2011, a
Unesco divulgou a sua classificação da educação para 128 países, e nos colocou
em 88º. Ou seja, um dos piores.
E, quando falamos em 128
países, estamos incluindo os mais pobres do mundo, não nos comportamos apenas
com países da elite educacional, não foram apenas os BRICS, nem apenas os
emergentes:
- Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido
excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a
razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa,
mas também precisamos ficar tristes com as outras nossas classificações: na
educação, na saúde publica, na violência, no quadro social.
Todo o direito à tristeza, mas
não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque são essas outras
razões de sofrimento que nos levariam a superar os nossos problemas e construir
um futuro que nos vem sendo negado há séculos.
Precisamos ver, nessa derrota
como jogador David Luiz no final do jogo, quando ainda dentro do campo, pela
televisão, chorando, disse o seguinte: “Desculpa, por não ter feito vocês
felizes nesta hora”.
Veja a que grandeza: ele não disse que estava triste por
não ser campeão do mundo. Estava triste por não ter feito a nós, os
brasileiros, felizes nessa hora. E continuou “Mas aqui
tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja, a derrota foi de um jogo,
não foi a derrota de uma história.
E continua: “Eu só queria
dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento
vindo dele confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma
alegria para esse povo que sofre tanto por tanta coisa”.
E ele diz: “Queria
pedir desculpa”, “só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol”. Veja
que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se do
povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo
sorrir, pelo menos no futebol. “Porque já sofre tanto por tanta coisa”
O sofrimento não fica restrito
ao futebol mas é o sofrimento do futebol que traumatiza. Os demais são
tolerados, ignorados, por serem banalizados. Por isso não damos tanta
importância aos demais sofrimentos e não fazemos o dever de casa para consertar
o resto ganhar outras copas.
Não estamos jogando para sermos campeões mundiais
na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos campeões
mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Embora fracassada, fazemos o dever
de casa, para sermos competitivos no futebol, mas não estamos fazendo o dever
de casa para o Brasil ser melhor, mais eficiente, mais justo, e não percebemos
este fracasso.
Por isso não sofremos, diante dos males banalizados. Sofremos
porque o Brasil não é campeão mundial de futebol este ano – já foi cinco vezes
–, mas não sofremos porque não estamos fazendo um Brasil melhor.
Quando vi o David Luiz pedindo
desculpas, pensei: quem devia estar ali pedindo desculpas éramos nós os
Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a Presidente da
República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil melhor.
Nós somos a selecção brasileira da política para a definição dos rumos do País.
E nem ao menos lembramos que o papel do político é eliminar os entulhos que
dificultam o caminho das pessoas à busca de sua felicidade pessoal.
Eles estavam em campo para
fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo para fazer um Brasil melhor e não
estamos conseguindo chegar nem ao
quarto, nem ao décimo, nem ao vigésimo, nem ao qui nquagésimo
lugar. Estamos chegando ao octogésimo qui nto
no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na educação. Estamos
perdendo de 103 a
zero em Prémio Nobel
para a Alemanha.
O mais importante para o futuro
do País não é o campeonato de futebol, embora esse toque mais na alma da gente,
o maior campeonato que estamos perdendo são as condições sociais, as
possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a saúde, a
corrupção.
Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros
trabalhemos para superar.
O David Luiz deu todo o seu
esforço e nos colocou primeiro entre as selecções seleccionadas para a Copa,
porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para oitava, para quarta e
agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por não ter
feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo menos no
futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa é a
tarefa dele, mas aqui , nesta casa no
congresso não basta o futebol.
Sofri ontem como qualquer
brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que nos colocaram nessa
posição.
Quero agradecer, ao David Luiz,
quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria fazer meu povo sorrir pelo menos
no futebol.”
Você não conseguiu, David Luiz, fazer o povo sorrir plenamente no
futebol, mas você conseguiu nos despertar para o facto de que nós não estamos
conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou um dos
responsáveis.
Por isso, desculpa, David Luiz.
Cristovam Buarque
Nota - Todos quantos ficaram tristes e choraram pela derrota do Brasil por 7 a 1 contra a Alemanha deviam ler este texto. Não porque não devessem chorar e ficar tristes mas num momento posterior vem a reflexão. Há momentos para chorar e outros para pensar e reflectir.
Eu acompanho o David Luiz desde os tempos em que ele jogava no Benfica e mais tarde no Chelsea e sempre o admirei pela sua entrega e coragem ao serviço da equipa o que conjugado com as restantes qualidades valeram ao clube receber 50 milhões pela sua transferência, importância record por um médio.
Pela inteligência e sensibilidade humana e social demonstradas nas suas declarações no fim do jogo, a quente, como se diz, por entre lágrimas, pode, quando for velhinho, recordá-las com orgulho.
Daqui, do Memórias Futuras, um grande abraço de parabéns para ti, David Luiz.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home