sexta-feira, julho 04, 2014

Então, meu Comandante, hoje estaremos em Belém ...
OS VELHOS
 MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 123










Parecia preocupado e inquieto o amável passageiro. Agarrava-se ao comandante como se necessitasse de uma presença a impedi-lo de pensar, de ficar só com problemas e angústias. Acompanhou-o em seu passeio:

- Então, meu Comandante, hoje estaremos em Belém do GrãoPará.. .

- Às três da tarde, doutor Morais - consultou o relógio, eram sete da manhã: - Daqui a oito horas...

- Foi uma boa viagem, agradável.

- Pacífica, a mais pacífica de quantas comandei.

- Pacífica? - interrogou-se o advogado. - Teria sido?

- Ora, e por quê? Não caíram temporais, nem furacão.

- Talvez tenham acontecido outros temporais... Nas almas dos passageiros, Comandante.

Seria uma indirecta aos seus amores com Clotilde? Talvez maliciosa, querendo insinuar possíveis intimidades sexuais, bandalheiras no convés, como as dele, Dr. Firmino, com a moça mameluca?

- Quanto a mim, doutor, portei-me sempre com extrema correcção. E se algum sentimento me assaltou foi decente e puro, com a mais honrada das intenções.

Seria uma insinuação do comandante aos seus bordejos com Moema, os passeios na coberta à luz da lua, as conversas a sós no tombadilho, o abandono dos demais passageiros nas ruas de Fortaleza?

 Não podia o advogado esperar passassem despercebidas, sem malévolos comentários, sua intimidade com a moça, aquele proibido idílio. Que iria ocorrer agora, quando chegassem a Belém?

 Deixar de vê-la, sabia ser-lhe impossível, ela penetrara fundo no seu sangue, aquela virgem louca e impudica, não tinha cabeça para outro pensamento, olhos de ver outra paisagem além do seu rosto, nada mais desejava no mundo senão tê-la como mulher, ao menos uma vez.

Mesmo se tivesse de matar-se e matá-la depois, para não suportar a vergonha e o remorso, o choro da esposa, o espanto da filha já mocinha. Por que esse comandante não tomava do leme de seu navio e não mudava a rota singrando para o mar-oceano, partindo sem rumo numa viagem de nunca terminar?

Deu-lhe, tão desesperado estava, a necessidade de ser mau, como a vingar-se de seu aflito dilema. Certamente Tilde Chilique, a Grande Baqueana de Coração Ferido (fora ao desdobrar sua teoria predilecta que tudo começara com Moema), nada dissera ao enamorado comandante daquele ridículo assunto de seu casamento. Contar-lhe-ia, assim talvez ficasse mais leve seu angustiado coração.

- E que sentimentos senão de honra pode abrigar seu peito, Comandante? Vai casar-se, imagino. E vai casar-se muito bem, em família digna da melhor consideração. Sou amigo do irmão de Clotilde, ele é...

Interrompeu-o bruscamente o comandante:

- Por favor, não continue. - Bem gostaria de saber aqueles detalhes guardados tão avaramente por Clô. Mas prometera, e sua promessa era sagrada. - Não desejo ouvir nem uma só palavra sobre a família de Clô, de Clotilde. Nem sobre ela...

- Mas, por quê? Ia lhe contar coisas que só a enaltecem.

- Agradeço-lhe. Mas fiz um juramento e não desejo rompê-lo. E, para evitar qualquer outra indiscrição do advogado, pretextou ocupações, deixou-o só na porta de seu desgraçado desespero.

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