Então, meu Comandante, hoje estaremos em Belém ... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 123
Parecia preocupado e inqui eto o amável passageiro. Agarrava-se ao
comandante como se necessitasse de uma presença a impedi-lo de pensar, de ficar
só com problemas e angústias. Acompanhou-o em seu passeio:
- Então, meu Comandante, hoje estaremos
em Belém do GrãoPará.. .
- Às três da tarde, doutor Morais -
consultou o relógio, eram sete da manhã: - Daqui
a oito horas...
- Foi uma boa viagem, agradável.
- Pacífica, a mais pacífica de quantas
comandei.
- Pacífica? - interrogou-se o advogado.
- Teria sido?
- Ora, e por quê? Não caíram temporais,
nem furacão.
- Talvez tenham acontecido outros
temporais... Nas almas dos passageiros, Comandante.
Seria uma indirecta aos seus amores com
Clotilde? Talvez maliciosa, querendo insinuar possíveis intimidades sexuais,
bandalheiras no convés, como as dele, Dr. Firmino, com a moça mameluca?
- Quanto a mim, doutor, portei-me sempre
com extrema correcção. E se algum sentimento me assaltou foi decente e puro,
com a mais honrada das intenções.
Seria uma insinuação do comandante aos
seus bordejos com Moema, os passeios na coberta à luz da lua, as conversas a
sós no tombadilho, o abandono dos demais passageiros nas ruas de Fortaleza?
Não podia o advogado esperar passassem
despercebidas, sem malévolos comentários, sua intimidade com a moça, aquele
proibido idílio. Que iria ocorrer agora, quando chegassem a Belém?
Deixar de vê-la, sabia ser-lhe impossível, ela
penetrara fundo no seu sangue, aquela virgem louca e impudica, não tinha cabeça
para outro pensamento, olhos de ver outra paisagem além do seu rosto, nada mais
desejava no mundo senão tê-la como mulher, ao menos uma vez.
Mesmo se tivesse de matar-se e matá-la
depois, para não suportar a vergonha e o remorso, o choro da esposa, o espanto
da filha já mocinha. Por que esse comandante não tomava do leme de seu navio e
não mudava a rota singrando para o mar-oceano, partindo sem rumo numa viagem de
nunca terminar?
Deu-lhe, tão desesperado estava, a
necessidade de ser mau, como a vingar-se de seu aflito dilema. Certamente Tilde
Chilique, a Grande Baqueana de Coração Ferido (fora ao desdobrar sua teoria
predilecta que tudo começara com Moema), nada dissera ao enamorado comandante
daquele ridículo assunto de seu casamento. Contar-lhe-ia, assim talvez ficasse
mais leve seu angustiado coração.
- E que sentimentos senão de honra pode
abrigar seu peito, Comandante? Vai casar-se, imagino. E vai casar-se muito bem,
em família digna da melhor consideração. Sou amigo do irmão de Clotilde, ele
é...
Interrompeu-o bruscamente o comandante:
- Por favor, não continue. - Bem
gostaria de saber aqueles detalhes guardados tão avaramente por Clô. Mas
prometera, e sua promessa era sagrada. - Não desejo ouvir nem uma só palavra
sobre a família de Clô, de Clotilde. Nem sobre ela...
- Mas, por quê? Ia lhe contar coisas que
só a enaltecem.
- Agradeço-lhe. Mas fiz um juramento e
não desejo rompê-lo. E, para evitar qualquer outra indiscrição do advogado,
pretextou ocupações, deixou-o só na porta de seu desgraçado desespero.
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