Parecia mais expedição de guerra... |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 9
2
Encomendada no Rio de Janeiro, a patente
ainda não chegara mas isso não impedira que ao
desincumbir-se da missão de paz em Itabuna, durante todo o tempo e
em toda parte, Natário fosse tratado por capitão.
Atribuíram-lhe o título não apenas cabras e
alugados; também comerciantes, fazendeiros e doutores, funcionários da justiça,
a começar pelo Juiz de Direito. Com o respeito devido ao posto e à fama.
Na carta ao magistrado, redigida com a
ajuda de Venturinha,
o coronel Boaventura Andrade apregoara
os merecimentos de
seus representantes. Ia escrevendo e
lendo, Venturinha e Natário escutavam:
-
“... meu filho, estudante de Direito...”
O rapaz interrompia:
-
Estudante de Direito, não, meu pai. Estou cursando o último ano da Faculdade, em Dezembro me
formo, sou bacharelando.
-
“... digo bacharelando Boaventura
Andrade Filho...”
- Filho, não, meu pai. Bote Júnior, é
como eu assino, é
mais moderno.
-
Pra mim é filho e se acabou; já escrevi,
não vou riscar, não gosto dessas estrangeirices: tu não é bastardo de inglês ou
de
suíço! - Encerrava a discussão, prosseguia na escrita e
na leitura:
-
“... e o capitão Natário da Fonseca,
proprietário rural, meu
Braço - direito...”
Capitão e proprietário, o Coronel não se
mostrava ingrato nem mesqui nho. Na
oportunidade da medição das novas terras para posterior registo no cartório
competente, mandara colocar uns quantos alqueires em nome de Natário, o
bastante para algumas roças de cacau.
Não podia se comparar com a fortuna do
Coronel, um dos maiores senão o maior fazendeiro da região, mas era um bom
começo de vida.
Não fora mesqui nho,
tampouco generoso, pois a medição e o registo daquela imensidão de mata virgem
deram-se de fato na noite da tocaia grande e o verdadeiro escrivão tinha sido
Natário.
No cartório, em Itabuna, iriam apenas legalizar
o ato de conqui sta, o facto
consumado, obedecendo à sequência correcta, tão ao gosto do Coronel. Primeiro a
tocaia, depois o caxixe; melhor dito, primeiro a trampa depois a lei.
Parecia mais expedição de guerra do que
missão de paz: qui nze homens armados
da cabeça aos pés, comandados pelo negro Espiridião.
Em realidade, não faziam falta pois o
coronel Elias Daltro se retirara da liça e, ao que diziam, da política,
desobrigando velhos compromissos. Homens
e armas não passavam de demonstração de força do senhor da Atalaia, exibição de
riqueza e poderio.
Necessária, segundo ele, para garantir a paz
recém - negociada. Capitão para cá, Capitão para lá, uma
festança em Itabuna.
Correu tudo na maciota, o juiz parecia
uma seda, tratava Venturinha de colega, nas palmas das mãos. O advogadozinho, o
mesmo doutor Castro a quem Berilo deveria ter-se apresentado, esse daria pena
se não desse nojo, ia ser um intendente na medida justa e desejada.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home