quinta-feira, julho 24, 2014

Parecia mais expedição de guerra...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 9









2

Encomendada no Rio de Janeiro, a patente ainda não chegara mas isso não impedira que ao desincumbir-se da missão de paz em Itabuna, durante todo o tempo e em toda parte, Natário fosse tratado por capitão.

Atribuíram-lhe o título não apenas cabras e alugados; também comerciantes, fazendeiros e doutores, funcionários da justiça, a começar pelo Juiz de Direito. Com o respeito devido ao posto e à fama.

Na carta ao magistrado, redigida com a ajuda de Venturinha,
o coronel Boaventura Andrade apregoara os merecimentos de
seus representantes. Ia escrevendo e lendo, Venturinha e Natário escutavam:

 - “... meu filho, estudante de Direito...”

O rapaz interrompia:

 - Estudante de Direito, não, meu pai. Estou cursando o último ano da Faculdade, em Dezembro me formo, sou bacharelando.

 -  “... digo bacharelando Boaventura Andrade Filho...”

- Filho, não, meu pai. Bote Júnior, é como eu assino, é
mais moderno.

 -  Pra mim é filho e se acabou; já escrevi, não vou riscar, não gosto dessas estrangeirices: tu não é bastardo de inglês ou de
suíço! -  Encerrava a discussão, prosseguia na escrita e na leitura:
 -  “... e o capitão Natário da Fonseca, proprietário rural, meu
Braço - direito...”

Capitão e proprietário, o Coronel não se mostrava ingrato nem mesquinho. Na oportunidade da medição das novas terras para posterior registo no cartório competente, mandara colocar uns quantos alqueires em nome de Natário, o bastante para algumas roças de cacau.

 Não podia se comparar com a fortuna do Coronel, um dos maiores senão o maior fazendeiro da região, mas era um bom começo de vida.

 Não fora mesquinho, tampouco generoso, pois a medição e o registo daquela imensidão de mata virgem deram-se de fato na noite da tocaia grande e o verdadeiro escrivão tinha sido Natário.

 No cartório, em Itabuna, iriam apenas legalizar o ato de conquista, o facto consumado, obedecendo à sequência correcta, tão ao gosto do Coronel. Primeiro a tocaia, depois o caxixe; melhor dito, primeiro a trampa depois a lei.

Parecia mais expedição de guerra do que missão de paz: quinze homens armados da cabeça aos pés, comandados pelo negro Espiridião.

Em realidade, não faziam falta pois o coronel Elias Daltro se retirara da liça e, ao que diziam, da política, desobrigando  velhos compromissos. Homens e armas não passavam de demonstração de força do senhor da Atalaia, exibição de riqueza e poderio.

 Necessária, segundo ele, para garantir a paz recém - negociada. Capitão para cá, Capitão para lá, uma festança em Itabuna.

Correu tudo na maciota, o juiz parecia uma seda, tratava Venturinha de colega, nas palmas das mãos. O advogadozinho, o mesmo doutor Castro a quem Berilo deveria ter-se apresentado, esse daria pena se não desse nojo, ia ser um intendente na medida justa e desejada.

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