Seu pai sabe o que faz... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 8
- Assim ou assado - prosseguiu o
estudante após montar e ganhar a estrada - como chefe político,
Elias está liqui dado. A sorte dele
foi estar tratando com o Velho que tem o coração mole.
Se fosse eu, tinha acabado de vez com
esse canalha: arrasava a fazenda dele, punha fogo nas roças, deixava ele de
cuia na mão, pedindo esmola. Mas Pai ficou com pena, afrouxou.
Você não acha que o Velho devia ter ido
até o fim, ter aproveitado a ocasião?
Natário não alterou a voz, conhecia os
repentes do rapaz:
-
Possa ser que sim, possa ser que não. Mas se tu pensa que o Coronel não acabou
com ele por moleza, tu tá enganado: foi
moleza não, foi sabedoria. Nós tamos
precisados de paz para derrubar a mata e plantar a terra; é muito chão,
Venturinha.
Se o coronel Boaventura pusesse fogo nas
roças do coronel Elias, hoje a gente tava brigando com meio mundo numa guerra
de morte.
Queimar cacau é o mesmo que queimar dinheiro
vivo, esse tempo já passou. Seu pai sabe o que faz, é por isso que está por
cima, mandando.
Na hora de guerrear, não vacilou, não qui s saber de conchavo. Mas a gente só deve brigar
quando não encontra jeito de viver em paz.
-
Logo você é quem me diz isso? Você que passou a vida com o dedo no gatilho? O
Natário do coronel Boaventura?
Natário sorriu, os olhos miúdos quase
fecharam:
-
Tu tá pra sair da Faculdade, doutor formado, mas tu ainda
tem muito que aprender. Cada hora tem
sua serventia: hora de tiro, hora de caxixe.
O
Coronel quer que tu seja o mediador com o pessoal
de Itabuna. Me disse: “Venturinha está carecendo começar
a se desasnar.
Dessa vez é ele quem vai resolver tudo,
quero ver como se sai.” Tu precisa não esquecer que todo mundo em Itabuna
lia pela cartilha do coronel Elias, um é
compadre, outro é afilhado dele; tem gente que só aceitou recolher os paus
furados porque ele mandou. Lá, tu não vai falar em tocar fogo nas roças do
coronel Elias, senão tu bota tudo a perder. Tu é esquentado demais, deixa o
calor pra gastar com as moças...
— Por falar em moça, Natário, nem lhe
conto... — Começou
a contar.
Natário não explicou que o Coronel
decidira mandar o filho,
em lugar de ir pessoalmente, porque o
mais difícil já estava resolvido, os pontos principais do acordo definidos e
assentados.
As medições seriam registadas, a eleição
anulada, escolheriam novo prazo e novo candidato. Aliás, talvez o candidato
viesse a ser o mesmo advogadozinho protegido do Governador. O Coronel
pilheriava com Natário, comentando as possíveis candidaturas:
- Não quer ser Intendente de Itabuna,
Natário? — Ria da
idéia estapafúrdia.
Natário não ria, a voz mansa:
-
De Itabuna, não quero não senhor. Quem menos manda em Itabuna é o Intendente;
ontem, mandava o coronel Elias, hoje, manda vosmicê. Quando eu governar um
lugar, nem que seja o derradeiro buraco do mundo, quem vai mandar nele sou eu.
Eu e mais ninguém.
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