Ajeita a arma mas não se precipita... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 7
Ajeita
a arma mas não se precipita, deixa o cafuzo avançar para que o resto da tropa
se coloque sob mira certa. Por que diabo o filho da mãe está de revólver em
punho e pisa com tanta precaução, examinando os arredores?
Berilo levanta o olhar, perscrutando.
Natário estende o braço,
firma a pontaria — com sua licença,
Coronel — atira para acertar na cabeça. O tiroteio irrompe no alto da colina e
a confusão se estabelece no lodaçal, em baixo; os jagunços respondem a esmo, sem
saber para onde dirigir as armas.
Uma carnificina, como comprovou o
coronel Elias Daltro.
Não se tinha notícia de tocaia de tal
envergadura, nem nos tempos das primeiras lutas, as de Basílio de Oliveira e
dos Badaró. Ia ficar na história, a tocaia grande.
5
Não escapou nenhum dos jagunços do
coronel Elias, pistoleiros de renome, trazidos do sertão, de Sergipe d’El Rey,
terra de valentes, alguns até das Alagoas, profissionais.
Quando os cabras desceram a colina,
seguindo Natário, pouco trabalho tiveram: acabar com os feridos; abater alguns
que tentavam subir para buscar abrigo entre as árvores e dali cobrar preço caro
pela vida; perseguir dois ou três que arriscavam a fuga por onde haviam chegado.
Caçando esses últimos, o negro
Espiridião encontrou o corpo
de Coroinha, próximo a um penedo atrás
do qual certamente qui sera se
esconder: Natário entendeu então por que Berilo empunhava o revólver e andava
com tanta cautela e vigilância.
Coroinha fora despachado à faca.
Tinham-lhe arrancado o coração e os ovos, costume, ao que parecia, muito do
agrado do falecido valentão das Alagoas. Natário achou correcto que o tivessem liqui dado.
Se Berilo não o houvesse feito, ele
próprio se encarregaria da tarefa. Concordou inclusive com a escolha da arma branca:
leva-e-traz não vale o custo de uma bala de espingarda.
Mas não aprovava malvadezas: aviar um
infiel com tiro ou punhalada é uma coisa, judiar do desgraçado é outra, muito
diferente.
Armas de segunda mão, de pouca
serventia, Natário não permitiu que as recolhessem. Ainda com o negrume da
noite deixaram o lugar.
Obedecendo ao mando do negro Espiridião,
os cabras regressaram à Fazenda da Atalaia. Natário atravessou o pontilhão, seguiu
para a estação da Estrada de Ferro, de lá enviaria o telegrama, nos termos
combinados. Com pequena alteração na assinatura: em vez de Natário, capitão
Natário.
Ao atingir a curva do rio, Natário olhou
para trás, relembrando; sorriu contente. Não recordava, no entanto, o tiroteio,
os corpos caídos, Berilo de cabeça destampada, Coroinha capado, picado de faca,
o coração fora do peito.
Conduzia nos olhos e na memória a visão
da paisagem nocturna, sob o temporal: as colinas e o vale varridos pela chuva,
o rio de ventre crescido como se estivesse prenhe, quanta formosura!
Lugar mais bonito, de dia ou de noite,
com sol ou com chuva, não existia por aquelas bandas; melhor para se viver,
nenhum.
O
BACHARELANDO VENTURINHA SE INICIA NA VIDA PÚBLICA
1
O rosto demonstrando entusiasmo, riso
fácil e satisfeito -
Venturinha - que viera passar as férias
de São João comentou, ao abraçar Natário na estação de Taquaras:
-
Então, o coronel Elias arriou as calças
e pediu penico...
O mameluco corrigiu:
-
Um homem do porte do coronel Elias Daltro não pede penico, Venturinha, pede uma trégua.
Não se inibia diante do filho do patrão.
Venturinha ainda não completara nove anos quando Natário se acoitou na fazenda
e ficou agregado ao Coronel. O garoto apegou-se ao jovem capanga, viajava no
cabeçote de sua sela, aprendia com ele as vozes dos pássaros e o manejo das
armas.
A
primeira rapariga que Venturinha cobriu foi trazida por Natário: a sardenta
Júlia Saruê, mulher-dama escoteira, exercendo de roça em roça, habituada a
tirar cabaço de menino. Melhor do que ela, só a égua Formosa flor.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home