quarta-feira, agosto 27, 2014

Morta a mãe e sem as tias e primos da manada, dificilmente sobrevive.
A verdadeira

história

da elefante

bebé









O seu trágico destino ficou marcado naquele dia do ano de 1964 em que o Governador Geral de Angola, General Silvino Silvério Marques a quem, por alguma razão difícil de descortinar, chamavam de “Sim Senhor Ministro”, foi de visita oficial às “terras do fim do mundo”, no Leste de Angola, concretamente, ao Lumbala.

Eu fui testemunha e cumprimentei o Sr. Governador na minha qualidade de Comandante do Destacamento Militar ali sitiado, mas a personalidade importante daquele encontro, que tinha como anfitrião o Chefe de Posto, Eurico Sousa Leite, autoridade civil, foi a rainha Nhakatolo, mulher pequenina, já de idade nessa altura, mas que viria a morrer muitos anos mais tarde em Luanda, num prodígio de longevidade, protegida, muito louvavelmente, pelo Presidente de Angola, depois de ter sido humilhada na sua autoridade tradicional por Savimbi que, para mim, não passou de um déspota carniceiro dotado de uma grande oratória para levar os crédulos ao engano. 

E o que disse a rainha Nhakatolo?

 - “Governador, os teus elefantes – todos os animais em Angola eram, para a rainha, do Governador – causam muito prejuízo” (ipsis verbis). Eles destroem os pés de mandioca nas machambas e nós ficamos sem ter de comer. Tens de mandar cá um caçador dar uns tiros nos elefantes.

Era um povo muito pobre, algumas  vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista. 

Há que esclarecer que a caça aos elefantes, fronteiras a dentro de Angola, era rigorosamente proibida enquanto que na Rodésia eles eram perseguidos e mortos. Por esta razão, eles sentiam-se ali em segurança e muitas foram as vezes em que eu adormeci ao bater de latas pelas populações para afugentar os animais da mandioca único ou principal recurso da alimentação e que viria a ser mais tarde eleita pelas Nações Unidas como o alimento do século XXI.

O terreno no Alto Zambeze era muito pobre, pouco mais que areia, mas a mandioca não é exigente e por outro lado é rico nas suas propriedades de tal forma que não falta à mesa do homem mais rápido do mundo, Usain Bolt.

Os Luenas e os elefantes não o sabiam mas nem por isso gostavam menos dela, os primeiros porque não tinham, praticamente, mais nada para comer, e os segundos porque são gulosos.

Para melhorar a alimentação do meu pessoal decidi criar uma horta e encarreguei o “casado”, soldado alentejano, sério, discreto, pouco falador, como são todos os alentejanos e por isso excepção no meu Grupo de nortenhos.

Mas como uma horta naquele terreno que não dava nada?  

 - Do outro lado do Zambeze havia umas aldeias de pastores que de noite protegiam o gado dentro de uns cercados de ramos e não foi difícil chegar à fala com eles e pedir-lhes autorização para levar um pouco do estrume que eles não valorizavam e eis a solução: o atrelado do jeep carregado com um pouco de estrume, sementes compradas na vizinha Rodésia e aí tivemos o meu amigo “casado” feliz com a sua horta.

O Governador não ficou insensível ao pedido da rainha Nhakatolo e palavra de Governador é para cumprir e as ordens foram dadas nesse sentido, ordens que só ele as podia dar porque os elefantes eram animais protegidos por lei e nem o Chefe de Posto nem ninguém à excepção dele podia matar ou mandar matar um elefante.

Passadas algumas semanas apareceu um caçador profissional, recrutado para o efeito, de seu nome Heitor, mulato, de meia-idade, que foi ao mato e matou uma elefante fêmea acompanhada de um filho pequeno e com um tiro matou dois.

Hoje, a esta distância, dói-me o coração. Sei mais que sabia então sobre elefantes e sobre tudo e a minha sensibilidade e o meu respeito pelos animais e pela natureza é agora muito maior... também já passou meio século, não é favor nenhum.

Em 1964, no Lumbala, eu estava mais preocupado com as pessoas que ali viviam e que fizeram uma festa enchendo a barriga de carne de elefante.

O bebé elefante, como sempre acontece nestes casos, só e desamparado, acompanhou o caçador e acabou por morrer à fome no Cazombo, não obstante todo o carinho, trabalho e sacrifício dos soldados entre eles o António Salvador.

Na verdade, ele estava morto desde o momento em que lhe mataram a mãe.

Foram criados, mais tarde, pela boa vontade de governos e pessoas, Centros de Recolha de elefantes jovens vítimas de famílias destroçadas mas, mesmo com todo o apoio possível que, em bebés, passa por uma companhia humana 24 horas/ dia e de outros elefantes jovens, companheiros de infortúnio, nem sempre é possível recuperá-los para os devolver à natureza.

O problema entre homens e elefantes é insolúvel, uma questão de espaço, de habitat. Homens ou elefantes, é o dilema.

Acontece com todos os animais, mais grave com os elefantes que são muito grandes, comem muito e dificilmente cabem numa Reserva qualquer.

Antigamente tinham para si todo um continente, e o comércio de marfim, que sempre existiu, não tinha a expressão que veio a ter.

A solução do problema dos animais selvagens em África é um autêntico desafio a governos e a populações, em comum, de mãos dadas, mas não é nada fácil.

A nossa bebé elefanta, coitada, foi vítima inocente, ela só queria poder continuar a acompanhar a mãe e ser feliz naquelas florestas esparsas do leste de Angola, nas chamadas “terras do fim do mundo”.

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