da elefante
bebé
O seu trágico destino ficou marcado
naquele dia do ano de 1964 em que o Governador Geral de Angola, General
Silvino Silvério Marques a quem, por alguma razão difícil de descortinar, chamavam
de “Sim Senhor Ministro”, foi de visita oficial às “terras do fim do mundo”, no
Leste de Angola, concretamente, ao Lumbala.
Eu fui testemunha e cumprimentei o Sr. Governador
na minha qualidade de Comandante do Destacamento Militar ali sitiado, mas a
personalidade importante daquele encontro, que tinha como anfitrião o Chefe de
Posto, Eurico Sousa Leite, autoridade civil, foi a rainha Nhakatolo, mulher pequenina, já
de idade nessa altura, mas que viria a morrer muitos anos mais tarde em Luanda,
num prodígio de longevidade, protegida, muito louvavelmente, pelo Presidente de
Angola, depois de ter sido humilhada na sua autoridade tradicional por Savimbi que, para mim, não passou de um déspota carniceiro dotado de uma grande oratória para levar os crédulos ao engano.
E o que disse a rainha Nhakatolo?
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“Governador, os teus elefantes – todos os animais em Angola eram, para a
rainha, do Governador – causam muito prejuízo” (ipsis verbis). Eles destroem os
pés de mandioca nas machambas e nós ficamos sem ter de comer. Tens de mandar cá
um caçador dar uns tiros nos elefantes.
Era um povo muito pobre, algumas vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista.
Era um povo muito pobre, algumas vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista.
Há que esclarecer que a caça aos
elefantes, fronteiras a dentro de Angola, era rigorosamente proibida enquanto
que na Rodésia eles eram perseguidos e mortos. Por esta razão, eles sentiam-se ali
em segurança e muitas foram as vezes em que eu adormeci ao bater de latas pelas
populações para afugentar os animais da mandioca único ou principal recurso da
alimentação e que viria a ser mais tarde eleita pelas Nações Unidas como o
alimento do século XXI.
O terreno no Alto Zambeze era muito
pobre, pouco mais que areia, mas a mandioca não é exigente e por outro lado é rico nas suas
propriedades de tal forma que não falta à mesa do homem mais rápido do mundo,
Usain Bolt.
Os Luenas e os elefantes não o sabiam
mas nem por isso gostavam menos dela, os primeiros porque não tinham, praticamente,
mais nada para comer, e os segundos porque são gulosos.
Para melhorar a alimentação do meu
pessoal decidi criar uma horta e encarreguei o “casado”, soldado alentejano, sério,
discreto, pouco falador, como são todos os alentejanos e por isso excepção no
meu Grupo de nortenhos.
Mas como uma horta naquele terreno que
não dava nada?
-
Do outro lado do Zambeze havia umas aldeias de pastores que de noite protegiam
o gado dentro de uns cercados de ramos e não foi difícil chegar à fala com eles
e pedir-lhes autorização para levar um pouco do estrume que eles não
valorizavam e eis a solução: o atrelado do jeep carregado com um pouco de
estrume, sementes compradas na vizinha Rodésia e aí tivemos o meu amigo “casado”
feliz com a sua horta.
O Governador não ficou insensível ao
pedido da rainha Nhakatolo e palavra de Governador é para cumprir e as ordens
foram dadas nesse sentido, ordens que só ele as podia dar porque os elefantes
eram animais protegidos por lei e nem o Chefe de Posto nem ninguém à excepção
dele podia matar ou mandar matar um elefante.
Passadas algumas semanas apareceu um
caçador profissional, recrutado para o efeito, de seu nome Heitor, mulato, de
meia-idade, que foi ao mato e matou uma elefante fêmea acompanhada de um filho
pequeno e com um tiro matou dois.
Hoje, a esta distância, dói-me o coração.
Sei mais que sabia então sobre elefantes e sobre tudo e a minha sensibilidade e
o meu respeito pelos animais e pela natureza é agora muito maior... também já
passou meio século, não é favor nenhum.
Em 1964, no Lumbala, eu estava mais
preocupado com as pessoas que ali viviam e que fizeram uma festa enchendo a
barriga de carne de elefante.
O bebé elefante, como sempre acontece
nestes casos, só e desamparado, acompanhou o caçador e acabou por morrer à fome
no Cazombo, não obstante todo o carinho, trabalho e sacrifício dos soldados
entre eles o António Salvador.
Na verdade, ele estava morto desde o
momento em que lhe mataram a mãe.
Foram criados, mais tarde, pela boa
vontade de governos e pessoas, Centros de Recolha de elefantes jovens vítimas
de famílias destroçadas mas, mesmo com todo o apoio possível que, em bebés,
passa por uma companhia humana 24 horas/ dia e de outros elefantes jovens, companheiros de infortúnio, nem sempre é possível recuperá-los para
os devolver à natureza.
O problema entre homens e elefantes é
insolúvel, uma questão de espaço, de habitat. Homens ou elefantes, é o dilema.
Acontece com todos os animais, mais grave com os
elefantes que são muito grandes, comem muito e dificilmente cabem numa Reserva
qualquer.
Antigamente tinham para si todo um
continente, e o comércio de marfim, que sempre existiu, não tinha a expressão
que veio a ter.
A solução do problema dos animais
selvagens em África é um autêntico desafio a governos e a populações, em comum,
de mãos dadas, mas não é nada fácil.
A nossa bebé elefanta, coitada, foi vítima
inocente, ela só queria poder continuar a acompanhar a mãe e ser feliz naquelas
florestas esparsas do leste de Angola, nas chamadas “terras do fim do mundo”.
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