terça-feira, agosto 26, 2014

O VELHO
TESTAMENTO
(Ritchard Dawkins - Prémio Nobel em 1973)








Se algum realizador cinematográfico quisesse contar a história do homem como espécie animal poderia, com toda a propriedade, intitulá-lo “Nascidos para Acreditar”.

Se as crianças, filhas dos nossos antepassados, tivessem tido a necessidade de aprenderem a sobreviver à custa da sua própria experiência, muito naturalmente, a percentagem dos que passariam à idade adulta não seria suficiente para assegurar a continuidade da espécie.

Acreditar obedientemente, sem contestar, nos conselhos dos pais, dos avós, dos chefes, das pessoas mais velhas, foi a necessidade sentida, a palavra de ordem para a qual o cérebro humano desenvolveu uma predisposição psicológica acentuada nas crianças imediatamente a partir do seu nascimento.

Nunca animal nenhum tinha necessitado tanto das experiências de vida dos seus progenitores porque também nenhum outro tinha nascido tão frágil e dependente por um período tão longo da sua vida.

E a evolução parece que só teve esse caminho: aquelas crianças tinham que acreditar e ser obedientes.

A evolução, através da selecção natural, não tem soluções pré programadas, na maioria dos casos até nem as tem, a maioria das suas tentativas são becos sem saída que terminam na extinção.

No caso concreto do homem a aposta foi num cérebro superior mas condicionada a um período inicial em que “a ordem” foi “não penses, (não arrisques) faz o que te digo” se queres ter mais possibilidades de sobreviver.

Esta “terrível”necessidade de acreditar que, provavelmente, pode ter sido decisiva para que eu possa estar hoje aqui a escrever este texto no teclado do meu computador, é precisamente a mesma que explica que um número assustadoramente elevado de pessoas continue a seguir à risca os seus livros sagrados.

De acordo com uma sondagem da Gallup, cerca de 50% dos eleitores americanos fazem parte dessas pessoas (o que não deixa de ser assustador…) não obstante muitos teólogos afirmarem que já não seguem à risca o livro do Génesis.

Comece-se, então, este livro pela conhecida história da Arca de Noé que sendo encantadora tem, no entanto, uma moral perfeitamente aterradora que revela a consideração que Deus tinha pelos humanos pois, à excepção de uma única família, afogou-os a todos, incluindo crianças, e os restantes animais.

Na destruição de Sodoma e Gomorra o equivalente a Noé escolhido para ser salvo foi Lot, sobrinho de Abraão, porque era incomparavelmente justo.

Dois anjos foram enviados a Sodoma para avisar Lot que saísse da cidade antes desta ser assolada pelo enxofre.

Hospitaleiro, Lot, recebeu os anjos em sua casa, após o que todos os homens de Sodoma se juntaram em redor e exigiram que ele lhes entregasse os anjos para (que outra coisa haveria de ser?) os sodomizarem.

“Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite. Trá-los cá para fora para nós os conhecermos” (expressão utilizada para a sodomização)  (Génesis 19:5)

Sim, “conhecer” tem o habitual significado eufemístico da versão autorizada da Bíblia, o que, no contexto, é bastante curioso.

A galhardia com que Lot se recusa a ceder a tal exigência sugere que Deus terá acertado ao elegê-lo como o único homem bom de Sodoma.

Na sequência deste episódio, e por vingança, segue-se uma guerra onde mais de sessenta mil homens foram mortos.

O tio de Lot, Abraão, foi o pai fundador das três grandes religiões monoteístas e o seu estatuto de patriarca confere-lhe uma importância, enquanto modelo de comportamento, apenas ligeiramente inferior à do próprio Deus.

No entanto, que moralista moderno iria querer segui-lo?

Na sua longa vida Abraão foi para o Egipto onde, na companhia da sua mulher Sara, enfrentou um período de escassez e fome.

Apercebeu-se então, de que uma mulher assim bela seria cobiçada pelos egípcios e a sua própria vida, enquanto marido, poderia estar em perigo.

Por esta razão, decidiu fazê-la passar por irmã e é nesta qualidade que ela foi levada ao harém do faraó sob cuja protecção Abraão ficou rico (à custa da mulher… já se vê) mas Deus desaprovou tal aconchego e mandou pragas sobre o faraó e a sua casa (e por que não sobre Abraão?).

Compreensivelmente magoado com o agravo, o faraó exigiu saber por que motivo Abraão não lhe tinha dito que Sara era sua mulher e expulsou-os do Egipto. (Génesis 12:18-19)

Mais tarde, o casal volta a cometer a mesma proeza desta vez com Amibelec, rei de Guerar, induzido a casar com Sara julgando, também, que ela era irmã de Abraão e não sua mulher. (Génesis 20:2-5).

Mas se estes episódios são desagradáveis na história de Abraão eles são pecados menores quando comparados com a famigerada história do sacrifício do seu filho muito desejado Isaac por ordem de Deus.

Construído o altar e amarrado Isaac sobre a lenha já estava Abraão de cutelo em punho pronto para a matança quando lhe apareceu um anjo e o mandou parar porque Deus, afinal, estava só a brincar, submetendo Abraão à tentação e testando-lhe a fé.

Pelos padrões da moralidade moderna esta história vergonhosa é, simultaneamente, um exemplo de abuso de menores, de tratamento tirânico entre duas relações de poder assimétrico, e o primeiro caso de que há registo da defesa utilizada em Nuremberga:”Estava apenas a cumprir ordens”.

Mesmo assim, esta lenda é um dos grandes mitos fundadores das três religiões monoteístas.

Thomas Jefferson, 3º Presidente dos EUA, estadista, filósofo político, arquitecto, arqueólogo e um espírito que representava o Iluminismo emitiu a opinião de que o “Deus de Moisés e de Abraão é um ser de carácter terrífico – cruel, vingativo, caprichoso e injusto”.

Há teólogos modernos que dirão que a história do sacrifício de Isaac por Abraão não deve ser entendida literalmente mas esse não é o facto relevante.

Relevante, é sim, haver muitíssimas pessoas nos dias de hoje, repetimos os resultados das sondagens em que metade dos americanos que votam seguem à risca os textos bíblicos e alguns deles detêm grande poder político sobre nós, especialmente nos EUA e no mundo islâmico.

A história bíblica da destruição de Jericó por Josué, tal como a invasão da Terra Prometida em geral, em nada se distingue, do ponto de vista moral, da invasão da Polónia por Hitler ou do massacre dos Curdos e dos Árabes das zonas pantanosas do Iraque por Sadam Hussein

A Bíblia pode até ser uma empolgante e poética obra de ficção mas não é o tipo de livros que se deva dar a uma criança para lhe moldar a moral.

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