TESTAMENTO
(Ritchard
Dawkins - Prémio Nobel em 1973)
Se algum realizador cinematográfico qui sesse contar a
história do homem como espécie animal poderia, com toda a propriedade,
intitulá-lo “Nascidos para
Acreditar”.
Se as crianças, filhas dos nossos antepassados, tivessem tido a
necessidade de aprenderem a sobreviver à custa da sua própria experiência,
muito naturalmente, a percentagem dos que passariam à idade adulta não seria
suficiente para assegurar a continuidade da espécie.
Acreditar obedientemente, sem contestar, nos conselhos dos pais,
dos avós, dos chefes, das pessoas mais velhas, foi a necessidade sentida, a
palavra de ordem para a qual o cérebro humano desenvolveu uma predisposição
psicológica acentuada nas crianças imediatamente a partir do seu nascimento.
Nunca animal nenhum tinha necessitado tanto das experiências de
vida dos seus progenitores porque também nenhum outro tinha nascido tão frágil
e dependente por um período tão longo da sua vida.
E a evolução parece que só teve esse caminho: aquelas crianças
tinham que acreditar e ser obedientes.
A evolução, através da selecção natural, não tem soluções pré
programadas, na maioria dos casos até nem as tem, a maioria das suas tentativas
são becos sem saída que terminam na extinção.
No caso concreto do homem a aposta foi num cérebro superior mas
condicionada a um período inicial em que “a ordem” foi “não penses, (não arrisques) faz o que te digo” se queres ter mais possibilidades de sobreviver.
Esta “terrível”necessidade de acreditar que, provavelmente, pode
ter sido decisiva para que eu possa estar hoje aqui a escrever este texto no teclado do meu
computador, é precisamente a mesma que explica que um número assustadoramente
elevado de pessoas continue a seguir à risca os seus livros sagrados.
De acordo com uma sondagem da Gallup, cerca de 50% dos eleitores
americanos fazem parte dessas pessoas (o que não deixa de ser assustador…) não
obstante muitos teólogos afirmarem que já não seguem à risca o livro do Génesis.
Comece-se, então, este livro pela conhecida história da Arca de
Noé que sendo encantadora tem, no entanto, uma moral perfeitamente aterradora
que revela a consideração que Deus tinha pelos humanos pois, à excepção de uma
única família, afogou-os a todos, incluindo crianças, e os restantes animais.
Na destruição de Sodoma e Gomorra o equi valente
a Noé escolhido para ser salvo foi Lot, sobrinho de Abraão, porque era
incomparavelmente justo.
Dois anjos foram enviados a Sodoma para avisar Lot que saísse da
cidade antes desta ser assolada pelo enxofre.
Hospitaleiro, Lot, recebeu os anjos em sua casa, após o que
todos os homens de Sodoma se juntaram em redor e exigiram que ele lhes
entregasse os anjos para (que outra coisa haveria de ser?) os sodomizarem.
“Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite.
Trá-los cá para fora para nós os conhecermos” (expressão utilizada para a
sodomização) (Génesis 19:5)
Sim, “conhecer” tem o habitual significado eufemístico da versão
autorizada da Bíblia, o que, no contexto, é bastante curioso.
A galhardia com que Lot se recusa a ceder a tal exigência sugere
que Deus terá acertado ao elegê-lo como o único homem bom de Sodoma.
Na sequência deste episódio, e por vingança, segue-se uma guerra
onde mais de sessenta mil homens foram mortos.
O
tio de Lot, Abraão, foi o pai fundador das três grandes religiões monoteístas e
o seu estatuto de patriarca confere-lhe uma importância, enquanto modelo de
comportamento, apenas ligeiramente inferior à do próprio Deus.
No
entanto, que moralista moderno iria querer segui-lo?
Na
sua longa vida Abraão foi para o Egipto onde, na companhia da sua mulher Sara,
enfrentou um período de escassez e fome.
Apercebeu-se
então, de que uma mulher assim bela seria cobiçada pelos egípcios e a sua
própria vida, enquanto marido, poderia estar em perigo.
Por
esta razão, decidiu fazê-la passar por irmã e é nesta qualidade que ela foi
levada ao harém do faraó sob cuja protecção Abraão ficou rico (à custa da
mulher… já se vê) mas Deus desaprovou tal aconchego e mandou pragas sobre o
faraó e a sua casa (e por que não sobre Abraão?).
Compreensivelmente
magoado com o agravo, o faraó exigiu saber por que motivo Abraão não lhe tinha
dito que Sara era sua mulher e expulsou-os do Egipto. (Génesis 12:18-19)
Mais
tarde, o casal volta a cometer a mesma proeza desta vez com Amibelec, rei de
Guerar, induzido a casar com Sara julgando, também, que ela era irmã de Abraão
e não sua mulher. (Génesis 20:2-5).
Mas
se estes episódios são desagradáveis na história de Abraão eles são pecados
menores quando comparados com a famigerada história do sacrifício do seu filho
muito desejado Isaac por ordem de Deus.
Construído
o altar e amarrado Isaac sobre a lenha já estava Abraão de cutelo em punho
pronto para a matança quando lhe apareceu um anjo e o mandou parar porque Deus,
afinal, estava só a brincar, submetendo Abraão à tentação e testando-lhe a fé.
Pelos
padrões da moralidade moderna esta história vergonhosa é, simultaneamente, um
exemplo de abuso de menores, de tratamento tirânico entre duas relações de
poder assimétrico, e o primeiro caso de que há registo da defesa utilizada em
Nuremberga:”Estava apenas a cumprir ordens”.
Mesmo
assim, esta lenda é um dos grandes mitos fundadores das três religiões
monoteístas.
Thomas
Jefferson, 3º Presidente dos EUA, estadista, filósofo político, arqui tecto, arqueólogo e um espírito que representava
o Iluminismo emitiu a opinião de que o “Deus de Moisés e de Abraão é um ser de
carácter terrífico – cruel, vingativo, caprichoso e injusto”.
Há
teólogos modernos que dirão que a história do sacrifício de Isaac por Abraão
não deve ser entendida literalmente mas esse não é o facto relevante.
Relevante,
é sim, haver muitíssimas pessoas nos dias de hoje, repetimos os resultados das
sondagens em que metade dos americanos que votam seguem à risca os textos
bíblicos e alguns deles detêm grande poder político sobre nós, especialmente
nos EUA e no mundo islâmico.
A
história bíblica da destruição de Jericó por Josué, tal como a invasão da Terra
Prometida em geral, em nada se distingue, do ponto de vista moral, da invasão
da Polónia por Hitler ou do massacre dos Curdos e dos Árabes das zonas
pantanosas do Iraque por Sadam Hussein
A
Bíblia pode até ser uma empolgante e poética obra de ficção mas não é o tipo de
livros que se deva dar a uma criança para lhe moldar a moral.
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