Alguém implorava socorro e falava em morte. |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio
Nº 33
5
Levava Castor cinco anos trabalhando como ferrador de cavalos na Fazenda Santa Mariana quando, seguindo no rastro da tropa de burros, aconteceu-lhe pernoitar
Seu destino era a cidade de Itabuna,
mais exactamente as ruas de canto onde se localizavam as casas de raparigas, ia
tirar o corpo da miséria.
Para quem se deleitara com fartura,
degustando manjares finos, iguarias nacionais e estrangeiras no regalório dos
engenhos de açúcar do Recôncavo, as fazendas de cacau no sul do Estado deixavam
muito a desejar em matéria de mulher.
No mais, estava satisfeito, não sentia saudades
a não ser do tio. Mesmo que pudesse, não retornaria. Lá não passava de servo com
o único direito de obedecer sem levantar a voz.
Tratado de príncipe, pondo cornos no
Barão no luxo dos lençóis de linho, das cobertas de renda, das colchas de cetim,
nem no leito de Madama se sentira um homem livre.
Para que isso acontecesse, fizera-se necessário
meter a mão na cara do Senhor, correr perigo de vida, atravessar o mundo e
chegar às terras do cacau onde cada um tinha seu valor e, bem ou mal, era pago
pelo que fazia.
A falta de mulheres na fazenda, ele a
compensava acompanhando as tropas de burros: nos entrepostos, nos povoados, nas
cidades encontrava o calor das putas.
Amadurecera num negro tranqui lo e cordial, conservara o jeito simples e o
porte altivo, o carácter amigueiro. Quando demorava a aparecer, algumas
raparigas reclamavam a longa ausência de Tição: para animar uma festa não havia
outro igual a ele.
Artesão capaz e habilidoso, na forja
rudimentar montada na
Santa Mariana a fim de atender às necessidades
da fazenda - ferrar o gado, calçar os animais de sela e carga, afiar facões,
recondicionar instrumentos de trabalho, pás, enxadas, foices - Castor, para se divertir, confeccionava facas,
punhais, guizos para arreios, anéis para ofertar às conhecidas, ferramentas de
candomblé que mandava de presente a pai Arolu: arco-e-flecha de Oxóssi, abebês de
Oxum e Iemanjá, machado de duas cabeças de Xangô.
O
Coronel não poupava elogios à destreza e à perícia do ferrador, um artista a
seu ver. Tição oferecera ao fazendeiro um par de estribos, lavrados por ele com
apuro e artifício, peça de valor.
Boa pessoa, o coronel Robustiano de
Araújo. Rico e poderoso, não arrotava fidalguias, não olhava de cinta, com desprezo,
para os trabalhadores. Ainda assim, o sonho de Castor era montar uma forja de
ferreiro num dos novos povoados, trabalhar por conta própria, não servir a
patrão por melhor que fosse.
AJUDADO POR COROCA, TIÇÃO ABDUIM EXTRAI
UM DENTE MOLAR DA AMANTE DE MANUEL BERNARDES, CLAVINOTEIRO FAMOSO
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De repente,
gemidos lancinantes cobriram a algazarra habitual do começo da noite no vasto
acampamento em que
Tocaia Grande se havia transformado.
Vinham de
longe, num crescendo: desesperados ais de dor. Alguém implorava socorro e
falava em morte. A
sanfona silenciou nas mãos de Pedro Cigano que andava ao deus-dará sem rumo
certo, fazendo de um tudo e não fazendo nada.
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