sexta-feira, agosto 01, 2014

Mulher magra para ele não tinha valor
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 16

















Entre as mulheres da vida, gozava de popularidade. Não se negava a cobrar em espécie caixa de pó-de-arroz, lata de brilhantina, frasco de água-de-cheiro ou os juros de pequeno empréstimo.

Havia casos, raros é bem verdade, de prendas grátis, em dias
de extravagância, quando, tomado de amores, o Grão-Turco perdia o siso: anéis de metal com pedras de vidro, faiscantes; brincos de fantasia, enfeites lindos. Bijuterias recebidas com emoção, mais apreciadas do que uma pelega de cinco mil-réis por serem regalos, signos de bem-querer e não acintoso pagamento.

 Sentimental, Fadul se enxodozava com certa freqüência. Tinha predilecção por moças de farta carnação, de peitaria saliente: seios volumosos, bons para apertar com a mão enorme.

Mulher magra para ele não tinha valor, quem aprecia ossos é coveiro, como diz o povo coberto de razão.

Conhecido e estimado em fazendas e povoados, possuía
compadres e afilhados. Fiava com relativa facilidade mas, na época do vencimento, mais dia menos dia, comparecia para cobrar a dívida.

 Se o freguês mudava de residência, ia descobri-lo onde estivesse, andava léguas e léguas, implacável. Admitia atrasos mas, para compensá-los, introduziu a norma do juro bancário nas selvas do cacau: além de mercadorias, conduzia o progresso na mala de mascate.

Prudente, conciliador, houve quem o tomasse por medroso,
tamanho corpanzil e tão cagão, juízo que não fez carreira: armado com um simples canivete, seu Fadu cobrou dívida a Terêncio, cabra de maus bofes, clavinoteiro.

 Garguelou o empapuçado, pinicou-lhe o gogó com a lâmina afiada — usada para descascar laranjas e rasgar furúnculos  - recebeu na hora os três mil-réis, os juros e as desculpas.

 Ao saber desse enredo, o capitão Natário, morto de riso, achou-o sobretudo cómico. Sem embargo, tendo o regatão em grande estima, deu-lhe um revólver de presente: por vezes a força das mãos e um canivete não são suficientes. Um queimante impõe respeito, compadre.

Livrou-se da acusação de frouxo, jamais da de ladrão. Essa
cresceu e correu mundo, notória e unânime. No mercado improvisado à sua chegada nas fazendas, tratavam-no de turco ladrão enquanto pechinchavam no preço das mercadorias expostas: convidativas e cobiçadas. Fingindo-se ferido em seus melindres, seu Fadul ameaçava recolher chitas e alfinetes, pentes e broches, cintos e cartucheiras, a sedução irresistível do comércio, e ir vender mais adiante.

 A negociação prosseguia entre exclamações e pragas, risos e suspiros, insultos e lisonjas: de gatuno a turquinho bendito de minha alma.

Diziam-lhe ladrão na tampa mas sem raiva, sem intenção de
ofensa, fazia parte do engodo, da pechincha, do prazer da compra e venda.

Gatuno, sem dúvida, mas um homem bom como aliás ele
próprio não se cansava de afirmar aos berros:

 - Turco ladrão é a mamãezinha de vocês. Queria saber, se
não fosse Fadul, homem bom, temente a Deus, quem é que ia vir nesse cu-de-judas para servir vocês? Em vez de me xingar, deviam me agradecer e convidar para um gole de pinga, povo ingrato!

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