sábado, agosto 16, 2014

Un homme? O Barão desatou a rir.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 29



















Levava na bagagem vestidos chiques, uma batelada de remédios, aflitas recomendações maternas e a excitante informação de Madeleine.

A princípio tudo foi novidade e animação, motivo de festa e de riso, mas a monotonia não tardou a prevalecer.

Cansada dos bailes provincianos nos quais, por causa da elegância e dos costumes europeus, provocava inveja e conquistava aversões entre o mulherio atrasado e maledicente, cansada sobretudo da presunção e da tolice do Senhor de Itauaçu, tão cheio de si quanto vazio de interesse, para conter os bocejos e suportar o desterro, Marie-Claude dedicou-se à equitação e à fodilhança.

Ginete petulante, sozinha ou acompanhada pelo Barão, cruzava os campos nos cavalos de raça, os mais árdegos do Recôncavo.

Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos
tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.

Em sendo assim, uma esposa devotada deve estar apta a cumprir o seu dever, solidária com o destino do marido. Um dia, quando dissertavam, sobre a pureza e a beleza das raças equinas e similares, andando pelos arredores do banguê, o Barão Adroaldo apontara um negro adolescente, envolto em fagulhas, na oficina do ferreiro, chamando a atenção de Madame la Baronne para aquele magnífico espécime de animal de raça:

— Repare no torso, nas pernas, nos bíceps, na cabeça, ma chère: um belo animal. Exemplar perfeito. Observe os dentes.

Reparou, obediente e interessada. Demorou os olhos molhados no exemplar perfeito, no belo animal. Observou os dentes brancos, o sorriso vadio. Malheur! Uma faixa de pano escondia lhe a primazia.

O Barão era deveras autoridade em raças, herdara a competência do pai, perito na escolha e compra de cavalos e escravos.

Mas Marie-Claude aprendera com as freiras do Sacré Coeur que os negros também têm alma, adquirem-na com o batismo.

Alma colonial, de segunda classe, mas suficiente para distingui-los dos animais: a bondade de Deus é infinita, explicava Sóror Dominique dissertando sobre o heroísmo dos missionários no coração da África selvagem.

 - Mais, pas du tout, mon ami, ce n’est pas un animal. C’est
un homme, il possêde un’ãme immortelle que te missionaire tal a donné avec le baptême.

Un homme? O Barão desatou a rir.

Quando o Senhor de Itauaçu ria em francês, posando de aristocrata culto e irónico a se divertir com a tolice humana, tornava-se intolerável por afectado e arrogante.

 Um seu xará, Adroaldo Ribeiro da Costa, bacharel e literato de Santo Amaro, ao ouvi-lo rinchavelhar massacrando sem piedade a língua de Beaudelaire, mestre bem-amado, passara a designá-lo por Monsieur le Franciú para gáudio dos ouvintes e pelas costas do Barão: o poeta.

Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.

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