Un homme? O Barão desatou a rir. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 29
Levava na bagagem vestidos chiques, uma batelada de remédios, aflitas recomendações maternas e a excitante informação de Madeleine.
A princípio tudo foi novidade e
animação, motivo de festa e de riso, mas a monotonia não tardou a prevalecer.
Cansada dos bailes provincianos nos
quais, por causa da elegância e dos costumes europeus, provocava inveja e conqui stava aversões entre o mulherio atrasado e
maledicente, cansada sobretudo da presunção e da tolice do Senhor de Itauaçu,
tão cheio de si quanto vazio de interesse, para conter os bocejos e suportar o desterro,
Marie-Claude dedicou-se à equi tação
e à fodilhança.
Ginete petulante, sozinha ou acompanhada pelo
Barão, cruzava os campos nos cavalos de raça, os mais árdegos do Recôncavo.
Consorte atenta, comprovou na prática
que, iguais aos
tenentes-coronéis, todos os barões
nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a
realizem.
Em sendo assim, uma esposa devotada deve estar
apta a cumprir o seu dever, solidária com o destino do marido. Um dia, quando dissertavam,
sobre a pureza e a beleza das raças equi nas
e similares, andando pelos arredores do banguê, o Barão Adroaldo apontara um
negro adolescente, envolto em fagulhas, na oficina do ferreiro, chamando a
atenção de Madame la Baronne
para aquele magnífico espécime de animal de raça:
— Repare no torso, nas pernas, nos
bíceps, na cabeça, ma chère: um belo animal. Exemplar perfeito. Observe os
dentes.
Reparou, obediente e interessada.
Demorou os olhos molhados no exemplar perfeito, no belo animal. Observou os
dentes brancos, o sorriso vadio. Malheur! Uma faixa de pano escondia lhe a
primazia.
O Barão era deveras autoridade em raças,
herdara a competência do pai, perito na escolha e compra de cavalos e escravos.
Mas Marie-Claude aprendera com as
freiras do Sacré Coeur que os negros também têm alma, adqui rem-na
com o batismo.
Alma colonial, de segunda classe, mas
suficiente para distingui-los dos animais: a bondade de Deus é infinita,
explicava Sóror Dominique dissertando sobre o heroísmo dos missionários no
coração da África selvagem.
- Mais, pas du tout, mon ami, ce n’est pas un
animal. C’est
un homme, il possêde un’ãme immortelle
que te missionaire tal a donné avec le baptême.
Un homme? O Barão desatou a rir.
Quando o Senhor de Itauaçu ria em
francês, posando de aristocrata culto e irónico a se divertir com a tolice
humana, tornava-se intolerável por afectado e arrogante.
Um seu xará, Adroaldo Ribeiro da Costa,
bacharel e literato de Santo Amaro, ao ouvi-lo rinchavelhar massacrando sem
piedade a língua de Beaudelaire, mestre bem-amado, passara a designá-lo por
Monsieur le Franciú para gáudio dos ouvintes e pelas costas do Barão: o poeta.
Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.
Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.
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