Bota mais uma, bonitão. |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 56
- Não quer que a cigana leia sua mão, meu bonitão? – disse ela dirigindo-se ao ajudante de tropeiro e repetiu abrindo os lábios num sorriso provocante: - Vamos, bonitão!
Envaidecido, o gabarola estendeu-lhe a
mão depois de limpá-la na perna da calça:
-
Tá aí.
No decote do vestido podiam-se entrever
os seios de Malena quando ela se curvava. Por uma fracção de segundo Valério
Cachorrão vislumbrava dois pomos túrgidos: Malena logo erguia o busto, a
embromadora.
Moça, alta e bem-feita, o rosto de lua
cheia, as ancas de égua,
Malena tomou da mão de Valério,
apertou-lhe os dedos brutos, recolheu a moeda, percorreu com a unha a linha do
destino numa cócega leve e excitante que descia da palma da mão para os qui bas do tangedor de burros.
Valério Cachorrão pouco ouviu do surrado
aranzel, ocupado
em avaliar com a outra mão o corpo da
cigana. Mal pôde sentir, porém, o volume da bunda pois a demónia, sem deixar de
provocá-lo com o olhar e o sorriso, se esqui vava
e pedia outra moeda:
-
Bota outra, bonitão, pra mim contar o resto...
O resto Valério Cachorrão queria ouvir,
sentir e tocar distante dali, no negrume da mata, fora das vistas de Maninho e
de Josef entretidos numa prosa descansada. Josef arrenegava do lugar: cadê a
influência prometida pelo turco?
Maninho ria devagar:
-
Fique mais uns dias e vai ver.
-
Nanja eu. Não sou doido e levo pressa.
Também Valério tinha pressa, já perdera
demasiado tempo e
três níqueis empalmados pela cigana.
Quis tomá-la pelo pulso, ela torceu o corpo, riu-lhe na cara e, gaiata, mais
uma vez o provocou mostrando a língua, revirando os olhos negros e pidões:
-
Bota mais uma, bonitão!
O bonitão ficou desarmado diante de
tanta galanteza.
Terminou por meter a mão na capanga,
buscou a moeda e a trouxe nos dedos. Não a colocou, porém, na palma da mão como
a tinhosa propunha, não era tão bobo. Manteve-a refulgente na ponta dos dedos
e, recuando no rumo da mata, desafiou:
-
Venha buscar.
Não havia terminado de falar e a
arrenegada, num revolutear
arrojado e imprevisto, arrebatara-lhe o
níquel: um giro de corpo, um passo de dança, nunca Valério vira coisa igual,
assim graciosa e pérfida. Antes que ele pudesse reagir, Maleita pusera-se a correr.
Quando qui s
persegui-la já não a avistou no descampado; divisou apenas Josef caminhando
para o armazém de Fadul, a malassombrada desvanecera-se ao luar. Mas Valério
ainda ouviu, de mistura com o coaxar dos sapos, os ecos da gaitada da cigana.
A voz convicta de Maninho e o riso
pachorrento chegaram do fogo aceso para passar a carne-seca e quentar o café:
-
Ocê não qui s ouvir o que lhe disse,
bancou o pato. Cigana é assim: muita fita pra iludir, na hora negaceia.
-
Filha da puta! — Ladrou Valério Cachorrão.
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