sábado, setembro 20, 2014

Bota mais uma, bonitão.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 56



















- Não quer que a cigana leia sua mão, meu bonitão? – disse ela dirigindo-se ao ajudante de tropeiro e repetiu abrindo os lábios num sorriso provocante: - Vamos, bonitão!

Envaidecido, o gabarola estendeu-lhe a mão depois de limpá-la na perna da calça:

 - Tá aí.

No decote do vestido podiam-se entrever os seios de Malena quando ela se curvava. Por uma fracção de segundo Valério Cachorrão vislumbrava dois pomos túrgidos: Malena logo erguia o busto, a embromadora.

Moça, alta e bem-feita, o rosto de lua cheia, as ancas de égua,
Malena tomou da mão de Valério, apertou-lhe os dedos brutos, recolheu a moeda, percorreu com a unha a linha do destino numa cócega leve e excitante que descia da palma da mão para os quibas do tangedor de burros.

Valério Cachorrão pouco ouviu do surrado aranzel, ocupado
em avaliar com a outra mão o corpo da cigana. Mal pôde sentir, porém, o volume da bunda pois a demónia, sem deixar de provocá-lo com o olhar e o sorriso, se esquivava e pedia outra moeda:

 - Bota outra, bonitão, pra mim contar o resto...

O resto Valério Cachorrão queria ouvir, sentir e tocar distante dali, no negrume da mata, fora das vistas de Maninho e de Josef entretidos numa prosa descansada. Josef arrenegava do lugar: cadê a influência prometida pelo turco?

Maninho ria devagar:

 - Fique mais uns dias e vai ver.

 - Nanja eu. Não sou doido e levo pressa.

Também Valério tinha pressa, já perdera demasiado tempo e
três níqueis empalmados pela cigana. Quis tomá-la pelo pulso, ela torceu o corpo, riu-lhe na cara e, gaiata, mais uma vez o provocou mostrando a língua, revirando os olhos negros e pidões:

 - Bota mais uma, bonitão!

O bonitão ficou desarmado diante de tanta galanteza.

Terminou por meter a mão na capanga, buscou a moeda e a trouxe nos dedos. Não a colocou, porém, na palma da mão como a tinhosa propunha, não era tão bobo. Manteve-a refulgente na ponta dos dedos e, recuando no rumo da mata, desafiou:

 - Venha buscar.

Não havia terminado de falar e a arrenegada, num revolutear
arrojado e imprevisto, arrebatara-lhe o níquel: um giro de corpo, um passo de dança, nunca Valério vira coisa igual, assim graciosa e pérfida. Antes que ele pudesse reagir, Maleita pusera-se a correr.

Quando quis persegui-la já não a avistou no descampado; divisou apenas Josef caminhando para o armazém de Fadul, a malassombrada desvanecera-se ao luar. Mas Valério ainda ouviu, de mistura com o coaxar dos sapos, os ecos da gaitada da cigana.

A voz convicta de Maninho e o riso pachorrento chegaram do fogo aceso para passar a carne-seca e quentar o café:

 - Ocê não quis ouvir o que lhe disse, bancou o pato. Cigana é assim: muita fita pra iludir, na hora negaceia.

 - Filha da puta! — Ladrou Valério Cachorrão.

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