Não tem onde cair morto |
Não Ter onde cair Morto
A notícia de que a família
Espírito Santo não tinha um único bem em seu nome elucidou-me sobre o tipo de
sociedade em que vivemos, aonde chegámos.
Juristas meus amigos garantiram-me
que é perfeitamente legal um cidadão, ou cidadã, ou uma família não ter
qualquer bem em nome próprio. Nunca tinha colocado a questão da ausência de
bens no quadro da legalidade, mas no da necessidade.
Acreditava que pessoas
caídas na situação de sem-abrigo, refugiados, minorias étnicas não enquadradas
como algumas comunidades ciganas podiam não ter nada em seu nome, mas até já
ouvira falar no direito a todos os cidadãos possuírem uma conta bancária, um
registo de bens, nem que fosse para prever uma melhoria de situação no futuro.
Considerava um ato de reconhecimento da cidadania ter em seu nome o que pelo
esforço, ou por herança era seu. Chama-se a isso “património”, que tem a mesma
origem de pai e de pátria, aqui lo
que recebemos dos nossos antecessores e que faz parte dos bens que constituem a
entidade onde existimos.
Estes conceitos não valem
para os Espírito Santo, para estes agora desmascarados e para os da sua
extracção que continuam a não ter bens em seu nome, mas têm o nome em tantos
bens, em paredes inteiras, em tetos de edifícios, em frontarias, em
supermercados, em rótulos de bebidas.
O caso da ausência de bens
dos Espírito Santo trouxe à evidência o que o senso comum nos diz dos ricos e
poderosos: -vivem sobre a desgraça alheia.
Até lhe espremem a miséria absoluta
de nada possuírem. Exploram-na.No caso, aproveitam a evidência de que quem nada
possui com nada poder contribuir para a sociedade para, tudo tendo, se eximirem
a participar no esforço comum dos concidadãos. Tudo dentro da legalidade e da
chulice, em bom português.
Imagino com facilidade um dos seus advogados e corifeus, um Proença de
Carvalho, por exemplo, a bramar contra a injustiça, contra o atentado às
liberdades fundamentais dos pobres a nada terem, à violência socializante e
colectivista que seria obrigar alguém a declarar bens que utiliza para habitar,
para se movimentar por terra, mar e ar, para viver, em suma.
Diria: todos somos iguais perante a lei, todos
podemos não ter nada, o nada ter é um direito querem ter, querem o direito de
usar sem pagar. O mesmo direito do invasor, do predador.
A legalidade do não
registo de bens em nome próprio para se eximir ao pagamento de impostos e fugir
às responsabilidades perante a justiça é um exemplo da perversidade do sistema
judicial e da sua natureza classista.
Esta norma legal destina-se a proteger
ricos e poderosos. Quem a fez e a mantem sabe a quem serve.Os Espirito Santo
não são gente, são empresas, são registos de conservatória, são sociedades
anónimas, são offshores com fato e gravata que
recebem rendas e dividendos, que pagam almoços e jantares.
Não são cidadãos. As
cuecas de Ricardo Espirito Santo não são dele, são de uma SA com sede no
Panamá, ou no Luxemburgo. A lingerie da madame Espirito Santo é propriedade de um
fundo de investimento de Singapura, presumo porque não sou o contabilista.
Mas a ausência de bens
registados pelos Espirito Santos em seu nome diz também sobre a sua
personalidade e o seu carácter.
A opção de se eximirem a compartilhar com os
restantes portugueses os custos de aqui
habitar levanta interrogações delicadas: Serão portugueses?
Terão alguma raiz
na História comum do povo que aqui
vive?
Merecem algum respeito e protecção deste Estado que nós sustentamos e que
alguns até defenderam e defendem com a vida?
Ao declararem que nada
possuem, os Espírito Santo assumem que não têm, além de vergonha, onde cair
mortos!
O ridículo a que os
Espírito Santo se sujeitam com a declaração de nada a declarar com que passam
as fronteiras e alfândegas faz deles uns tipos que não têm onde cair mortos,
uns párias.
A declaração de “nada a
declarar” em meu nome, nem da minha esposa, filhinhos e restante família dos
Espírito Santo, os Donos Disto Tudo, também nos elucida a propósito do
pindérico capitalismo nacional: Os Donos Disto Tudo não têm onde cair mortos!
O
capitalismo em Portugal não tem onde cair morto!
Resta ir perguntar pelas
declarações de bens dos Amorins, o mais rico dos donos disto, do senhor do
Pingo Doce, do engenheiro Belmiro, dos senhores Mellos da antiga Cuf, dos
senhores Violas, dos Motas da Engil e do senhor José Guilherme da Amadora para
nos certificarmos se o capitalismo nacional se resume a uma colecção de sem
abrigo que não têm onde cair mortos! É que, se assim for, os capitalistas portugueses, não só fazem o que é costume: explorar os pobres portugueses, como os envergonham.
Os ricos, antigamente, mandavam construir jazigos que pareciam basílicas para terem onde cair depois de mortos – basta dar uma volta pelos cemitérios das cidades e vilas. Os ricos de hoje alugam um talhão ao ano em nome de uma sociedade anónima!
Os Espírito Santo, nem têm um jazigo de família!
Eu, perante a evidência da miséria, se fosse ao senhor Presidente da República, num intervalo da hibernação em Belém, declarava o território nacional como uma zona de refúgio de sem-abrigo, uma vala comum e acrescentava a legenda na bandeira Nacional:
- “Ditosa Pátria que tais filhos tem sem nada!”
Carlos de Matos Gomes
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