segunda-feira, setembro 08, 2014

Seu Waldemar da padaria está de olho em tu...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 46



















Guta, que se gabava de sabida e viajada, nunca pusera os olhos num cigano de verdade em toda a sua vida de mulher-dama.

Pedro Cigano, com quem se enxodozara apenas chegara a Itapira, procedente de Amargosa, chamego de estrada, de pouca duração, de cigano tinha somente o apelido e o gosto da mentira; pelo sangue puxara a índio, daí a cor fosca e o cabelo liso.

 Enganada pelo nome, Guta se engajou com o sanfoneiro mas se desvencilhou do compromisso umas tantas léguas adiante, na primeira encruzilhada: até mais ver, seu moço, não há bem que sempre dure.

Não se zangue nem me leve a mal. Prosseguiu em sua busca. Não há bem que sempre dure, Guta aprendera no melhor da festa.

A festa durara poucas luas pois Sô Nacinho era de lua e de veneta e dela cedo se enfastiou. Sô Nacinho dispunha de escolha numerosa e variada em Amargosa: no eito onde as moças colhiam as folhas de tabaco, no varal onde as secavam, na oficina onde enrolavam charutos no suor das coxas.

Dono das terras, das plantações, dos rolos de fumo, dos charutos olorosos, como se a riqueza não bastasse, Sô Nacinho  - Inácio Beckmann da Silva - possuía olhos azuis, herança de holandeses, alta estatura, riso sedutor, trato cortês - um garanhão.

Cuidadoso de seus pertences, atravessava atento entre as moças, acontecia reparar numa delas, cabrocha desabrochando na idade certa. Os olhos azuis de Sô Nacinho se embaçavam, mandava-a chamar ao escritório.

Enquanto o capricho perdurava não existia macho mais ardente e enamorado, mais terno e afável. Até passar a lua, a veneta terminar. Igual ao súbito interesse, de repente o enfado: mandava a moça de volta à rotina do trabalho: não há bem que sempre dure.

Não paga a pena demorar-se na história dos amores de Guta e Sô Nacinho pois no principal não se encontra novidade a acrescentar.

Viera de atingir quatorze anos, mulher feita, a ponto para a cama, uma comichão no vão das coxas e o cheiro doce de
fumo: esperava impaciente que Sô Nacinho reparasse nela.

Não por ser o patrão, por ser bonito. Quando recebeu o recado para procurá-lo no escritório, Guta estava pronta e disposta, acorreu alvoroçada. Não teve razão de queixa como não a tiveram as que a precederam. Sô Nacinho sabia como tratar mulher quando a queria e quando a desprezava.

 Bonito e falso como um cigano, assim o definiam.

Se quase tudo foi repetição do acontecido com as demais, todavia Guta não aceitou o retorno à oficina para enrolar charutos no côncavo das coxas, preferiu ser rapariga.

 Mas não permaneceu em Amargosa pois não desejava viver aflita na agonia de vê-lo passar na rua sem atentar nela. Não se zangou nem lhe quis mal, não chorou nem rogou praga, de nada adiantava.

Arrumou a trouxa, informou à tia que bem ou mal lhe servira de mãe quando a mãe faltara:

 - Tia, me bote a bênção, vou embora.

 - Por que não fica por aqui mesmo, sia tola? Seu Waldemar da padaria está de olho em tu, já me fez saber.

Em Amargosa, nem Waldemar da padaria nem outro qualquer: tomara enjôo do lugar.

Trouxa na cabeça, rumou para Corta-Mão onde se instalou novinha em folha. Depois, desceu na esteira do cacau: as notícias de opulência e desperdício repetiam-se aliciantes, alvoroçando as putas.


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