sexta-feira, outubro 24, 2014

Às vezes matam mesmo...
A Dívida












Quando se fala da dívida do país, e quase não se fala de outra coisa que não seja de dívidas, seja do país, a soberana, ou das autarquias ou de qualquer outra instituição, vem-me logo à memória o meu falecido pai.
Sentado à noite à lareira, fumava cigarro atrás de cigarro que acendia numa brasa, olhava fixamente o fogo crepitante e suspirava num desalento permanente.
O pouco dinheiro que sobrava do negócio da criação dos frangos era para pagar ao Banco as letras que se iam vencendo e que ele não conseguia mais do que reformar por inteiro: os juros eram sagrados, a dívida continuava.
Uma vida inteira a trabalhar e a fazer malabarismos junto dos amigos para arranjar dinheiro para levar para o Banco naquelas datas precisas gravadas numa agenda, não para pagar a dívida mas para a manter, eternizá-la num círculo infindável que só acabaria com a morte do credor.
Primeiro, foi aquele sobreiro imponente, quantos anos teria (?)... com a desculpa que atrapalhava no caminho.
Ainda hoje consigo ouvir o som rouco das suas raízes rebentando debaixo da terra incapazes de resistir à força das correntes que lhe puxavam os braços.
Depois, mais tarde, aquela pinheira enorme, chamo-lhe pinheira porque dava pinhas que eu, rapaz, abria ao fogo da lareira para saborear os melhores pinhões que já comi, nem os comprados na feira enfiados numa linha os suplantavam.
Acabados de abrir guardavam a totalidade do seu sabor, a marca pura da árvore que era como um marco a meio daquela encosta, do lado esquerdo antes de chegar à aldeia.
Durante muitos anos não olhava para lá para evitar a tristeza de a não ver.
Finalmente, a dívida, depois do sobreiro e da pinheira, matou o meu pai. Levantou-se da sua cadeira de palhinha depois de ter atirado a ponta do cigarro para o fogo já quase apagado, terá suspirado mais uma vez e foi deitar-se.
Adormeceu e não mais acordou, o coração não resistiu a tantos suspiros. Dizia-se que elas não matam mas moem mas ás vezes matam mesmo... "bem feito" para o Banco, "bem feito" para a dívida.
 E o país, o nosso país, também irá morrer como o meu pai por causa da dívida?
O Passos  Coelho e a sua ministra das Finanças mentem muito para nos deixarem descansados. Prestes a serem rendidos como intérpretes deste filme terão muitos anos para assistirem no sofá à continuação do drama da dívida.
António Costa olha para a Europa com uma réstia de esperança e pergunta:
 - Porque se fala da dívida de Portugal, da Grécia, e não da dívida da Europa?
A reestruturação da dívida é necessária e indispensável mas é do conjunto da zona euro.
Portugal não pode assumir sozinho a reestruturação da sua dívida e ainda por cima anunciá-lo porque a reacção imediata dos mercados torná-la-ia insustentável.
Ao contrário do meu pai, para o bem ou para o mal, o país não morre.

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