quinta-feira, outubro 09, 2014

E quem é ele, se mal pergunto...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 70

















Quem tanto se aplicara nos estudos - apenas uma segunda época em todo o curso - fizera-se credor de recompensa à altura: o Rio de Janeiro com a carteira recheada.

O Coronel ouviu e concordou: afinal, dois meses a mais, dois meses a menos não representavam grande coisa. Nos planos delineados, maior do que a urgência, era a vontade do Coronel de ver o filho brilhando à frente do escritório, defendendo causas, discursando no júri, cuidando da fazenda, intervindo na política, candidato a deputado estadual ou a Intendente de Itabuna.

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Antes da hora do almoço, o capitão Natário da Fonseca montou na mula em frente à casinhola de madeira, disse até breve a Bernarda e a Coroca, acenou de longe para Fadul e partiu a receber na estação de Taquaras o bacharel Andrade Júnior de volta a seus penates.

 O rapaz vinha em companhia de dona Ernestina que o acolhera em Ilhéus. De propósito, para não demonstrar o alvoroço que o consumia, o Coronel ficara à espera na Atalaia.

Mas Natário testemunhara a emoção do fazendeiro quando abriu e leu o telegrama mandado por Venturinha – reenviado de Taquaras por um próprio -  anunciando o desembarque e marcando data para chegar à fazenda: o tempo do Coronel tomar as providências para receber condignamente o filho doutor que por fim se decidira a retornar do Rio de Janeiro; prometera voltar logo após o carnaval, estavam às vésperas do São João.

 A alegria reflectira-se no rosto largo do Coronel que chegara a ficar sem fala, lendo e relendo a mensagem telegráfica. Por fim, rindo pela boca e pelos olhos, por toda a cara, dera a notícia:

 - Ele está vindo, já chegou a Ilhéus. Nosso doutor, Natário.
Ia o Capitão pensando nessas coisas quando percebeu na estrada mais adiante um vulto de mulher. Cantava uma cantiga que ele escutara nos tempos de menino, em Propriá.

Ouvira-a na voz das aguadeiras nas margens do rio São Francisco:

Lá se vem o rei da Babilónia
Dele vou me enamorar
Vou com ele me casar...

Pequena trouxa na cabeça, na mão um ramo de folhas e de
flores do mato, murchas, na boca um sorriso jubiloso, Maria Gina, os pés descalços, vagava no caminho.

 - Onde tu vai, Maria Gina? - perguntou o Capitão.

 - Por aí, seu Capitão -  Não era de revelar os seus busílis, guardava-os para si mas Natário a ajudara certa vez e ela não esquecera:

 - Ele tá me esperando, saiu na frente porque tinha de tirar o sol do tacho e pôr no céu pro dia amanhecer,

 - E quem é ele, se mal pergunto?

Maria Gina gostava de conversar com o Capitão por ser ele tão considerado, delicado como não havia outro nessas bandas da vida: a vida tinha duas bandas diferentes, ela vivia numa e noutra e facilmente as confundia.

 - Primeiro ele pegou o sol e guardou no tacho, bem no fundo.
Depois, com o outro rei, tocou a música da lua - Sorrindo, prometeu: - Quando eu souber o nome dele, deixe estar que digo a vosmicê. Mas só a vosmicê.

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