E quem é ele, se mal pergunto... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 70
Quem tanto se aplicara nos estudos - apenas
uma segunda época em todo o curso - fizera-se credor de recompensa à altura: o
Rio de Janeiro com a carteira recheada.
O Coronel ouviu e concordou: afinal,
dois meses a mais, dois meses a menos não representavam grande coisa. Nos
planos delineados, maior do que a urgência, era a vontade do Coronel de ver o
filho brilhando à frente do escritório, defendendo causas, discursando no júri,
cuidando da fazenda, intervindo na política, candidato a deputado estadual ou a
Intendente de Itabuna.
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Antes da hora do almoço, o capitão
Natário da Fonseca montou na mula em frente à casinhola de madeira, disse até
breve a Bernarda e a Coroca, acenou de longe para Fadul e partiu a receber na
estação de Taquaras o bacharel Andrade Júnior de volta a seus penates.
O
rapaz vinha em companhia de dona Ernestina que o acolhera em Ilhéus. De propósito,
para não demonstrar o alvoroço que o consumia, o Coronel ficara à espera na
Atalaia.
Mas Natário testemunhara a emoção do
fazendeiro quando abriu e leu o telegrama mandado por Venturinha – reenviado de
Taquaras por um próprio - anunciando o
desembarque e marcando data para chegar à fazenda: o tempo do Coronel tomar as
providências para receber condignamente o filho doutor que por fim se decidira
a retornar do Rio de Janeiro; prometera voltar logo após o carnaval, estavam às
vésperas do São João.
A
alegria reflectira-se no rosto largo do Coronel que chegara a ficar sem fala,
lendo e relendo a mensagem telegráfica. Por fim, rindo pela boca e pelos olhos,
por toda a cara, dera a notícia:
-
Ele está vindo, já chegou a Ilhéus. Nosso doutor, Natário.
Ia o Capitão pensando nessas coisas
quando percebeu na estrada mais adiante um vulto de mulher. Cantava uma cantiga
que ele escutara nos tempos de menino, em Propriá.
Ouvira-a na voz das aguadeiras nas
margens do rio São Francisco:
Lá se vem o rei da Babilónia
Dele vou me enamorar
Vou com ele me casar...
Pequena trouxa na cabeça, na mão um ramo
de folhas e de
flores do mato, murchas, na boca um
sorriso jubiloso, Maria Gina, os pés descalços, vagava no caminho.
-
Onde tu vai, Maria Gina? - perguntou o Capitão.
-
Por aí, seu Capitão - Não era de revelar
os seus busílis, guardava-os para si mas Natário a ajudara certa vez e ela não
esquecera:
-
Ele tá me esperando, saiu na frente porque tinha de tirar o sol do tacho e pôr
no céu pro dia amanhecer,
-
E quem é ele, se mal pergunto?
Maria Gina gostava de conversar com o
Capitão por ser ele tão considerado, delicado como não havia outro nessas
bandas da vida: a vida tinha duas bandas diferentes, ela vivia numa e noutra e
facilmente as confundia.
-
Primeiro ele pegou o sol e guardou no tacho, bem no fundo.
Depois, com o outro rei, tocou a música
da lua - Sorrindo, prometeu: - Quando eu souber o nome dele, deixe estar que
digo a vosmicê. Mas só a vosmicê.
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