quarta-feira, outubro 29, 2014

Haveria de ter um motivo grave...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 84



















Fadul Abdala amanhecia de olheiras fundas de tanto desfrutar.

Aconteceu-lhe começar a despir a virgem, a chamá-la aos peitos durante o sono, e terminar de possuí-la acordado, os olhos abertos.

Em Tocaia Grande, no prazo de mais de dois meses, o cabaço de Aruza Skaf foi também a disforme e bruta mão do turco.


8


Nem sempre os sonhos se resumiam a prazer e gozo, ao desfrute de um cabaço. Três personagens perturbaram as núpcias infrenes a que o árabe se entregou noites a fio, devasso e voraz, insaciável garanhão.

Conforme se sabe, Aruza ao ser penetrada reproduzia o grito de Siroca e era da cafuza o sangue que Fadul sentia lambuzar os dedos, O caso sucedera em seus inícios de mascate: para que Siroca consentisse, esbanjara prendas, prometera mundos e fundos e mesmo assim teve de usar das mãos para abrir-lhe as pernas.

Tempos, passados, veio a saber que, em consequência de uma tentativa de aborto, Siroca morrera em Macuco, onde fora fazer a vida. Coisas que acontecem.

Certas noites, na hora exacta em que Fadul ia recolher os tampos da noiva, Zezinha do Butiá, impudica e debochativa, surgia na cama sem ser chamada. Pensas que vais traçar honra de donzela, escorreitos três vinténs, turco burro e ignorante, bestalhão?

Apontava com o dedo e ele via o buraco aberto, o rombo feito: por ali passara antes, com certeza, um bacharel de meia pataca, bom de bico, assobiando a “Marcha Turca”.

Em lugar da impoluta virgindade, um par de chifres. Por que motivo Jamil Skaf propunha-lhe de graça a mão da filha única, a filial de A Preferida em Itabuna, sociedade na movelaria, a fortuna imediata e fácil?

Havia de ter motivo grave e qual poderia ser? Zezinha do Butiá ria-lhe na cara: vais cobrir com teu corpanzil e tua ambição a vergonha da filha do patrício, turco cabeça de bagre, idiota e mercenário. Por dinheiro és capaz de tudo ou pensas que eu não sei?

Certa feita, quando desesperado tentava expulsar Zezinha do Butiá ao romper da aurora, acordou a tempo de reconhecer na difusa luz da alba a verde cobra-espada bela e mortal deslizando aos pés da cama.

Após matá-la, ficou a cismar e a reflectir: Zezinha do Butiá viera para lhe salvar a vida. Somente a vida? Ou para impedi-lo de se meter num beco sem saída, de se encontrar, quando menos esperasse, carregando o andor de São Cornélio nas procissões de Ilhéus?

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