Haveria de ter um motivo grave... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 84
Fadul Abdala amanhecia de olheiras fundas de tanto desfrutar.
Aconteceu-lhe começar a despir a virgem,
a chamá-la aos peitos durante o sono, e terminar de possuí-la acordado, os
olhos abertos.
8
Nem sempre os sonhos se resumiam a prazer e gozo, ao desfrute de um cabaço. Três personagens perturbaram as núpcias infrenes a que o árabe se entregou noites a fio, devasso e voraz, insaciável garanhão.
Conforme se sabe, Aruza ao ser penetrada
reproduzia o grito de Siroca e era da cafuza o sangue que
Fadul sentia lambuzar os dedos, O caso sucedera em seus inícios de mascate:
para que Siroca consentisse, esbanjara prendas, prometera mundos e fundos e mesmo
assim teve de usar das mãos para abrir-lhe as pernas.
Tempos, passados, veio a saber que, em
consequência de uma tentativa de aborto, Siroca morrera em Macuco, onde fora
fazer a vida. Coisas que acontecem.
Certas noites, na hora exacta em que Fadul ia recolher os tampos da noiva, Zezinha do Butiá,
impudica e debochativa, surgia na cama sem ser chamada. Pensas que vais traçar
honra de donzela, escorreitos três vinténs, turco burro e ignorante, bestalhão?
Apontava com o dedo e ele via o buraco
aberto, o rombo feito: por ali passara antes, com certeza, um bacharel de meia
pataca, bom de bico, assobiando a “Marcha Turca”.
Em lugar da impoluta virgindade, um par
de chifres. Por que motivo Jamil Skaf propunha-lhe de graça a mão da filha
única, a filial de A Preferida em Itabuna, sociedade na movelaria, a fortuna
imediata e fácil?
Havia de ter motivo grave e qual poderia
ser? Zezinha do Butiá ria-lhe na cara: vais cobrir com teu corpanzil e tua
ambição a vergonha da filha do patrício, turco cabeça de bagre, idiota e mercenário.
Por dinheiro és capaz de tudo ou pensas que eu não sei?
Certa feita, quando desesperado tentava
expulsar Zezinha do Butiá ao romper da aurora, acordou a tempo de reconhecer na
difusa luz da alba a verde cobra-espada bela e mortal deslizando aos pés da
cama.
Após matá-la, ficou a cismar e a reflectir:
Zezinha do Butiá viera para lhe salvar a vida. Somente a vida? Ou para
impedi-lo de se meter num beco sem saída, de se encontrar, quando menos
esperasse, carregando o andor de São Cornélio nas procissões de Ilhéus?
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