Leviana mas dona de um coração de ouro |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 83
Ao ler as ardentes missivas, madre Ana de
Jesus pecara duplamente: por tê-las lido e por tê-las restituído ao esconderijo
em baixo do colchão, sem levá-las ao conhecimento da Madre Superiora: tinha uma
fraqueza pela aluna, estabanada e leviana mas dona de
um coração de ouro.
Madre Ana de Jesus, antes de tomar o
hábito, também fora moça e namorara.
Arteira e convincente, Auta Rosa
comandava. Aruza ouvia-lhe os diabólicos conselhos, fascinada.
7
Na solidão de Tocaia Grande, Fadul
Abdala descabaçou Aruza Skaf em incontáveis ensejos, com brandura ou violência,
paciente ou sôfrego, no sonho e na vigília.
Sozinho na cama ou cobrindo rapariga do
lugar, Fadul a teve,
insaciável.
Durou cerca de dois meses, período
transcorrido entre a chegada em Ilhéus com a mosca azul zunindo na cabeça e os
encantos da normalista nos olhos, no peito, na estrovenga, e a notícia dada pelo
coronel Robustiano de Araújo.
Certas noites ele a teve e a deflorou três e
quatro vezes em seguida.
Temendo assustá-la ou ofendê-la, Fadul
esforçava-se para ser delicado e prudente nos contactos iniciais, ao
desvesti-la do uniforme azul e branco. Carícias timoratas, beijos furtivos nos ombros,
no cangote, tacto cauteloso insinuando-se na descoberta de tesouros
resguardados: um prazer dos deuses.
Pouco a pouco a donzela se rendia, o
pudor se transmudava em desejo, Aruza consentia nos avanços de Fadul, deixava-se
despir.
O corpo nu estendido sobre o magro
colchão de capim seco, coberta de chitão, fedor de percevejos,
no abandono de Tocaia Grande, Aruza se entregava. Seios
fartos, bons de pegar e apertar com as mãos, bunda poderosa, ancas de égua e o
bocetame. Tudo de conformidade com o gosto e a gula do Grão-Turco.
Finalmente Deus se havia compadecido dele.
Modificavam-se as posições -
experimentou todas – variavam o tempo, o local e o ritmo da metida, a xoxota de
Aruza jamais se repetia. Na hora crucial, Fadul ouvia o grito, indispensável como
o sangue: grito e sangue de Siroca.
Por um instante, curto porém atroz, Aruza era
a pequena Siroca se rendendo indefesa nos cafundós do cacau à força e à lábia
do mascate.
Colhia e voltava a colher o intacto
cabaço, a desfolhar a cobiçada flor da virgem. Cabaço vário e múltiplo, a flor
de Aruza, mantendo-se sempre bela, apertada e quente, variava ao sabor da fantasia.
Foi farta de pêlos ou quase não os teve,
tênue penugem.
Abriu-se refolhuda rosa, ofertando-se.
Escondeu-se nas coxas
trancadas, recatado botão. O grelo se
alteava arrogante ou receoso se encobria.
Foi a xoxota de Bernarda, a de Dalila, a
da pequena Cotinha, a da
imensa Maneta Quinze Arrobas, a xoxota de chupeta de Coroca, tantas e tantas outras, puras
e ilibadas.
Foi o inviolado xibiu de Zezinha do Butiá, um abismo. Somente o
grito não se modificou, permaneceu o lamento fatal, de dor e perdição, da moleca
Siroca.
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