Era o cão em figura de gente |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 82
De tais desleixos resultavam casamentos infelizes: esposas em pranto, lares desfeitos, heranças malbaratadas, fortunas dilapidadas!
Jamil Skaf, com empenho e diligência, buscando
o melhor no reino do cacau, foi localizar Fadul Abdala nos confins do mundo.
Fadul ficou de pensar, na próxima vinda
a Ilhéus responderia.
Desde logo, porém, agradeceu a honra e a
confiança.
6
Na manhã seguinte, ao dirigir-se para a
estação onde tomaria o trem, Fadul Abdala, por acaso ou de
propósito, percorreu inesperado itinerário que o levou a passar ao sopé da
Ladeira da Conqui sta.
No alto da Conqui sta,
o Colégio Nossa Senhora da Piedade, das freiras ursulinas, formava
professoras primárias, fornecendo título e diploma a todas as moças ricas de
Ilhéus e da região cacaueira que ali estudavam em regime de internato ou de externato.
De manhã e de tarde as externas subiam e
desciam a ladeira em estouvado alvoroço juvenil. Em baixo, circulavam
pretendentes, indóceis gabirus.
Ao vê-lo segurando a mala, o ar
inconfundível de mascate, a mão no chapéu para cumprimentá-la, Aruza
deixou escapar um pequeno grito - podia ser de desespero ou de alvoroço - e o apontou à colega que não era outra
senão Beinha, vizinha e confidente.
Vinham falando sobre ele. Fadul
prosseguiu no caminho da estação, levando nos olhos a visão da moça vestida com
o uniforme azul e branco.
Na hora do recreio, no recanto favorito
sob as mangueiras, Aruza lavou-se em pranto. Beinha não
via jeito a dar mas Auta Rosa, aluna interna, segundanista trêfega e disposta,
apresentou imediatamente solução para o problema da pobre apaixonada, capaz de
resgatá-la do perigo de casar-se com o noivo escolhido pelo pai.
Belinha o vira de pé na ladeira, confirmava:
enorme tabaréu
mal-ajainbrado, um tabacudo, o oposto do
mimoso bacharel por quem Aruza suspirava e que suspirava
por Aruza.
Dar o mau passo, solução radical, se bem
aprazível, e sobretudo urgente, só mesmo Auta Rosa a proporia com tamanha
franqueza.
Exigia disposição e coragem: teriam de
enfrentar a família e a sociedade. Auta Rosa, no dizer de
madre Ana de Jesus, que lhe confiscara correspondência clandestina, era o Cão
em figura de gente.
Trancada a sete chaves atrás dos altos
muros do colégio, conseguia não apenas cartear-se com o namorado, o fatídico
plumitivo José Júlio Calasans, mas com ele certamente se encontrava às
escondidas.
Não fosse assim como poderia o redactor e
tipógrafo da “Gazeta Grapiúna”, nas cartas que lhe escrevia e enviava por
Belinha, fazer referências tão expressas, apaixonadas e impudicas a detalhes da
anatomia da normalista, habitual e recatadamente ocultos sob a farda azul e
branca?
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