sábado, outubro 18, 2014

Para quê, meu Deus, para quê?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)






Episódio Nº  77

















Coisas passadas.

 - Adeus, Coroca.

De cima da sela de couro fino e peitoral de prata, em égua altaneira, correndo o olhar pelo arruado, habitações e moradores, o bacharel Andrade Júnior estendeu a mão ao árabe Fadul Abdala em despedida:

 - Não sei o que é que você está fazendo nesta tapera imunda. Se quer ganhar dinheiro por que não abandona esse buraco e não vai para Itabuna? - Todos ali eram servos seus.

Se quiser ir, conte comigo. Isso aqui não tem futuro, nunca passará de um chiqueiro.

O capitão Natário da Fonseca nem sequer o ouviu externar esses conceitos: enfiava as calças, calçava as botas. Na cama, nua, Bernarda lhe sorria.

9

Da pessimista previsão do bacharel, o Capitão soube vários dias depois quando passou de novo por Tocaia Grande.

Venturinha partira para o Rio de Janeiro onde o aguardavam o Curso Livre, o saber dos mestres, as fastidiosas prelecções e Adela La Porteña,

Adelita Chucha de Oro, o saber das putas, as noites de tango e de pagode.

Bebericando um gole de tiquira, Natário se referiu à estada do jovem doutor em Itabuna onde fora muito festejado:

 - Até parece que tinha chegado o Deus-Menino. Apesar da discrição que lhe era habitual, sabendo ser Fadul amigo de Fuad Karan, narrou divertido episódio acontecido no cabaré durante a noite animadíssima.

 Quando Venturinha repetia pela centésima vez que regressava ao Rio para concluir douto curso especializado em propriedade da terra, Fuad Karan clamou aos céus:

 - Pra quê? Meu Deus, pra quê? De propriedade de terras quem mais sabe e entende do que o Coronel, seu pai e meu amigo?

As leis que aqui regem esse direito não foi por acaso ele quem as ditou? Tu não me enganas, Venturinha, esta tua história tem enredo de mulher. Conta de uma vez.

Sem desmerecer a magnitude do Curso Livre, Andrade Júnior, bacharel e dândi, recém-chegado da Metrópole, falou
com conhecimento e entusiasmo da boémia carioca e exaltou o
mulherio, cosmopolita e requintado.

 No cabaré de Itabuna, entre rudes coronéis e ávidos doutores, cintilou por uns instantes a estrela dos palcos de Buenos Aires, a Deusa da Ribalta, a Argentina Adela.

Quanto ao futuro de Tocaia Grande, a opinião do bacharel não causou espécie ao Capitão:

 - Vá por mim, compadre, que vai mais certo. Venturinha pode entender de mulheres e de leis, coisas com que gastou dinheiro.

Mas de lavoura de cacau e desse mundaréu, não sabe nada.

 - Ele, Natário, sabia de certeza: — Pode acreditar no que lhe digo, compadre: Tocaia Grande ainda há de ser uma cidade.

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