Para quê, meu Deus, para quê? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 77
Coisas passadas.
-
Adeus, Coroca.
De cima da sela de couro fino e peitoral
de prata, em égua altaneira, correndo o olhar pelo arruado, habitações e
moradores, o bacharel Andrade Júnior estendeu a mão ao árabe Fadul Abdala em
despedida:
-
Não sei o que é que você está fazendo nesta tapera imunda. Se quer ganhar
dinheiro por que não abandona esse buraco e não vai para Itabuna? - Todos ali
eram servos seus.
Se qui ser
ir, conte comigo. Isso aqui não tem
futuro, nunca passará de um chiqueiro.
O capitão Natário da Fonseca nem sequer
o ouviu externar esses conceitos: enfiava as calças, calçava as botas. Na cama,
nua, Bernarda lhe sorria.
9
Da pessimista previsão do bacharel, o
Capitão soube vários dias depois quando passou de novo por Tocaia Grande.
Venturinha partira para o Rio de Janeiro
onde o aguardavam o Curso Livre, o saber dos mestres, as fastidiosas prelecções
e Adela La Porteña ,
Adelita Chucha de Oro, o saber das
putas, as noites de tango e de pagode.
Bebericando um gole de tiqui ra, Natário se referiu à estada do jovem doutor
em Itabuna onde fora muito festejado:
-
Até parece que tinha chegado o Deus-Menino. Apesar da discrição que lhe era
habitual, sabendo ser Fadul amigo de Fuad Karan, narrou divertido episódio
acontecido no cabaré durante a noite animadíssima.
Quando Venturinha repetia pela centésima vez
que regressava ao Rio para concluir douto curso especializado em propriedade da
terra, Fuad Karan clamou aos céus:
-
Pra quê? Meu Deus, pra quê? De propriedade de terras quem mais sabe e entende
do que o Coronel, seu pai e meu amigo?
As leis que aqui
regem esse direito não foi por acaso ele quem as ditou? Tu não me enganas,
Venturinha, esta tua história tem enredo de mulher. Conta de uma vez.
Sem desmerecer a magnitude do Curso
Livre, Andrade Júnior, bacharel e dândi, recém-chegado da Metrópole, falou
com conhecimento e entusiasmo da boémia
carioca e exaltou o
mulherio, cosmopolita e requi ntado.
No cabaré de Itabuna, entre rudes coronéis e
ávidos doutores, cintilou por uns instantes a estrela dos palcos de Buenos
Aires, a Deusa da Ribalta, a Argentina Adela.
Quanto ao futuro de Tocaia Grande, a
opinião do bacharel não causou espécie ao Capitão:
-
Vá por mim, compadre, que vai mais certo. Venturinha pode entender de mulheres
e de leis, coisas com que gastou dinheiro.
Mas de lavoura de cacau e desse
mundaréu, não sabe nada.
- Ele, Natário, sabia de certeza: — Pode
acreditar no que lhe digo, compadre: Tocaia Grande ainda há
de ser uma cidade.
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