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Dawkins e a "Desilusão de Deus" |
Eu sei que há uma
atitude reverencial a tudo o que à religião diz respeito e, naturalmente, muito
mais quando se põe em causa a própria religião.
Olhando
de fora para o “edifício” da Igreja o que
começa logo a impressionar e até mesmo a amedrontar é a magnificência dos
edifícios de culto, imponentes, belos, ricos de obras de arte e de ouro.
Logo
a seguir, as vestes espampanantes dos seus mais altos dignitários que não podiam
chamar mais a atenção nos seus brancos imaculados com faixas de cor apelativa e
chapéus altos e pontiagudos a conferirem ar de majestade.
E,
finalmente, o ar convencido de disfarçada autoridade com que nos presenteiam
com as suas verdades inquestionáveis enquanto outros, de turbante, com os olhos
cheios de ódio, as gritam às multidões em delírio.
Mas
não é só uma atitude reverencial, é medo, não tenhamos vergonha de o dizer,
medo dos outros, dos que nos estão próximos, da sociedade e de nós próprios, dos
“diabinhos” que, éramos nós em criança.
Dawkins
afirma que todos nascemos religiosos mas alguns, mais tarde, tomam a decisão
consciente de deixar de o ser mas esses, acrescento eu, são apenas uma pequena
parte porque a maioria limita-se a “deixar cair” dentro de si a religião que um
dia lá meteram e envergonhadamente, silenciam e disfarçam limitando-se a
dizer: não vou à igreja… menos frequentemente afirmam que não são crentes… e
raramente se apresentam como ateus.
O
mundo ocidental vive hoje ameaçado e amedrontado por religiosos fanáticos que
odeiam todo o semelhante que não pertença ao seu clube de exterminadores.
Noutros
tempos, os nossos avós fizeram parecido combatendo e matando outras pessoas
porque, também elas, não partilhavam do nosso culto e eu pergunto, de certo
ingenuamente, porque não confrontar directamente as religiões e defender um
tipo de vida da qual elas não façam parte?
Pessoalmente,
estou grato a Richard Dawkins e ao seu livro A Desilusão de Deus porque me deu
uma solução convincente para uma pergunta que bailava sem resposta no meu
espírito desde que tomei conhecimento da Teoria da Evolução de Charles Darwin e
a aceitei como boa para explicar, em termos racionais, o aparecimento e o
desenvolvimento dos seres vivos ao cimo da terra.
-
Como “encaixar” a religião na Teoria da Evolução?
Sendo
a religião um fenómeno comum, embora com as mais variadas diferenças, a todas
as culturas e tendo sido, essa mesma religião, a fonte de tantas mortes e
sofrimento ao longo de toda a história da humanidade, como teria servido ela os
interesses da nossa espécie?
Não
é verdade que à luz da Teoria da Evolução os comportamentos desfavoráveis aos interesses
de uma espécie acabam por ser eliminados através de uma selecção que, mais cedo
ou mais tarde, não perdoava erros ou desvios contrários à sua sobrevivência?
Neste
aspecto, as religiões funcionavam como vírus que provocavam o confronto
violento e letal das comunidades entre si e, no entanto, o nosso cérebro
evoluiu para albergar, em um qualquer ponto da sua incrível estrutura, o que
parecia ser “um centro de religiosidade”.
A
explicação aí está servida por Richard Dawkins e partilhada por muitos outros
cientistas:
-
A religião era, afinal, «um subproduto» de «qualquer outra
coisa» que a natureza efectivamente quis
mas que a partir de certo momento fugiu do seu controle.
E
o «produto» era a necessidade que as crianças, filhas
dos nossos mais antepassados, tinham de acreditar nos conselhos dos pais, dos
avós e dos chefes, ditos e repetidos com palavras solenes e quem sabe, de dedo
em riste.
Essa
necessidade de acreditar de que não deviam aproximar-se demasiado dos
penhascos, afastar-se do grupo, banharem-se no rio infestado de crocodilos,
etc., fez desenvolver no nosso cérebro um “centro de crença”, não para ser
colocado ao serviço de religiões mas para permitir maiores probabilidades de
sobrevivência às novas gerações de forma a que a nossa espécie tivesse mais
hipóteses de sucesso.
Mas,
quem tem que acreditar forçosamente nos bons conselhos como se pode furtar a
acreditar nos maus?
Se
ele tem que acreditar que não pode tomar banho no rio por causa dos crocodilos,
naturalmente vai também acreditar que tem que matar um cabra para que as chuvas
caiam… e daqui para a frente o homem
tomava o futuro nas suas próprias mãos.
O
resto… teve também a ver com um espírito que interrogava e um conhecimento
científico que não existindo deixava todas as perguntas sem resposta à mercê da
imaginação que gere as crenças.
A
minha experiência de vida ajudou-me a compreender melhor esta necessidade de
acreditar quando recordo os meus 11, 12 anos como aluno de um colégio de
Jesuítas em Lisboa, em regime de semi-internato.
No
princípio dos anos 50 vivia-se um enorme clima de respeito e autoridade que
recaía especialmente sobre as crianças e os jovens que viviam em círculos muito
fechados que pouco mais iam para alem da família com as constantes reprimendas
e os permanentes apelos à obediência.
Não
me lembro de ter sido alvo, durante esses dois anos, de qualquer atitude ou
comportamento violento ou desrespeitoso por parte de qualquer padre ou “irmão”da Companhia de
Jesus com quem convivi nesse colégio mas, é bom dizer, que se tratava de um
Colégio para filhos de papás ricos, alguns muito ricos mesmo, e este facto
poderia ter alterado para melhor muita coisa…
Mas
não me esqueço das confissões que aos 11 e 12 anos tive de fazer aos ouvidos
daqueles padres de batina preta da cabeça aos pés e de quem, não se tendo medo
tinha-se, pelo menos, muito respeito e vergonha.
Mas
que raio de pecados tinha eu para confessar naquela idade quando quase tudo aquilo que fazia era, aos meus olhos, pecado?
Era
precisamente aqui que residia a
violência…tudo era pecado…tudo era culpa…tudo eram remorsos…penitencias e
medo…muito medo do inferno…porque o céu, esse, estava longe, não era para
nós…era para os santos, anjos e arcanjos.
Uma educação
religiosa não precisa de ser má basta ser religiosa e se há outra coisa que eu
recordo era a “necessidade que eu sentia de acreditar” e debatia-me
interiormente porque tinha dificuldade em consegui-lo.
Hoje,
ao ler a Desilusão de Deus do Richard Dawkins, fiquei a saber que estava a
lutar contra uma “partezinha” do meu cérebro que
me obrigava a acreditar, não naquilo
que os padres me diziam, mas isso eu não sabia nem tinha possibilidades de
saber.
O
meu cérebro apenas estava programado para acreditar, não para fazer a distinção
entre aquilo que era conversa de
padres e qualquer outra mensagem que, essa sim, pudesse ser útil para a minha
vida.
Uma educação
religiosa cria situações difíceis a uma criança obediente e disciplinada - como
eu era - quando não existe uma tendência
forte para a crença. Algo próximo da violação, no mínimo, uma grande confusão.
Lembro-me de que
toda aquela história sobre Deus e os santos, mais estes, que começaram por ser
pessoas normais como nós e depois superaram essa condição humana e conseguiram
levar vidas e fazer coisas que não estavam ao meu alcance, uma espécie de
super-homens que já nessa altura me pareciam modelos de ficção.
E depois levavam-nos
para retiros e punham-nos a ler as histórias dessas pessoas que vieram a ser
santos e que deveriam se modelos de vida para nós.
Eu, por essa altura,
lia o “Mundo de Aventuras”, o “Cavaleiro Andante” e, sinceramente, parecia-me
mais interessante vir a ser como Cisko Kid ou o mágico Mandrake pela simples
razão de que eles faziam coisas que me seduziam mais na sua eterna luta dos
maus contra os bons, não para conquistarem
o céu mas para fazerem justiça o que, para mim, fazia muito mais sentido.
De qualquer maneira,
a religião e os jesuítas marcaram negativamente a minha infância lançando a
confusão onde ela não existia.
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