Vá correndo, a noiva é capaz de não esperar |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 96
No quarto pobre da pensão de putas, o
crepúsculo entrava pela clarabóia e se diluía em sombras nos lençóis de
algodãozinho.
Zezinha estava diferente, não era a
mesma. Alguma coisa grave acontecera, capaz de modificar-lhe a alacridade
costumeira.
A tirana não lhe pespegava nomes - turco
isso, turco aqui lo - , não o levava
na pilhéria, não cobrava inexistentes dívidas, tentando depená-lo, não se perdia
em riso despreocupado.
Ardente e sôfrega como nunca, mas
envolta em melancolia, silenciosa, um espinho no peito a magoá-la. Tristezas de
família, que mais poderia ser?
7
Adensaram-se as sombras, era o fim da
tarde. Ao desfazer-se o abraço, Fadul saltou da cama esbaforido, temeroso de
chegar tarde ao encontro com Fuad Karan no botequi m
de Rómulo Sampaio, onde o amigo todos os dias desperdiçava erudição ilustrando a
elite da cidade na hora sagrada do aperitivo e do gamão.
Desatenta aos deveres do oficio, Zezinha
deixou-se ficar deitada, não veio ajudá-lo:
-
Já está atrasado, não é?
-
Um bocado. Tenho de andar depressa...
-
Vá correndo, a noiva é capaz de não esperar. Vá logo antes que ela arranje outro e leve pra cama.
Conversa mais esqui sita,
voz insolente e debochativa. Surpreso e desconfiado, a pulga atrás da orelha,
Fadul não chegou a enfiar as ceroulas:
-
Noiva? Que história é essa?
- Vai querer negar? Em Itabuna não se
fala noutra coisa...
-
Que coisa? Diga de uma vez.
- Todo mundo sabe que tu contratou casamento
com Jussa.
Tem coragem de negar?
Confirmava-se a desconfiança que o
assaltara: paracéis da viúva que transformava promessa de visita, vago início
de namoro em compromisso formal de casamento.
Jussa, diminutivo de Jussara; Zezinha
pespegava-lhe o apelido na cara: um insulto, uma bofetada. Segurando as
ceroulas, tirou a limpo:
-
Jussa?
-
Jussa Pobre-de-Mim, não me diga que não conhece...
Inda outro dia Fuad Karan teve aqui e me disse: “Sabe, Zezinha, teu Fadul maluqueceu
e vai casar com a viúva de Kalil Rabat.”
Fiquei zonza, não acreditei: “Não pode
ser, não acredito nisso.”
Mas ele disse que era com certeza, que
tu ia ser o novo rei... - calou-se.
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