quarta-feira, novembro 12, 2014

Vá correndo, a noiva é capaz de não esperar
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 96

















No quarto pobre da pensão de putas, o crepúsculo entrava pela clarabóia e se diluía em sombras nos lençóis de algodãozinho.

Zezinha estava diferente, não era a mesma. Alguma coisa grave acontecera, capaz de modificar-lhe a alacridade costumeira.

A tirana não lhe pespegava nomes - turco isso, turco aquilo - , não o levava na pilhéria, não cobrava inexistentes dívidas, tentando depená-lo, não se perdia em riso despreocupado.

Ardente e sôfrega como nunca, mas envolta em melancolia, silenciosa, um espinho no peito a magoá-la. Tristezas de família, que mais poderia ser?

7

Adensaram-se as sombras, era o fim da tarde. Ao desfazer-se o abraço, Fadul saltou da cama esbaforido, temeroso de chegar tarde ao encontro com Fuad Karan no botequim de Rómulo Sampaio, onde o amigo todos os dias desperdiçava erudição ilustrando a elite da cidade na hora sagrada do aperitivo e do gamão.

Desatenta aos deveres do oficio, Zezinha deixou-se ficar deitada, não veio ajudá-lo:

 - Já está atrasado, não é?

 - Um bocado. Tenho de andar depressa...

 - Vá correndo, a noiva é capaz de não esperar. Vá logo antes  que ela arranje outro e leve pra cama.

Conversa mais esquisita, voz insolente e debochativa. Surpreso e desconfiado, a pulga atrás da orelha, Fadul não chegou a enfiar as ceroulas:

 - Noiva? Que história é essa?

- Vai querer negar? Em Itabuna não se fala noutra coisa...

 - Que coisa? Diga de uma vez.

- Todo mundo sabe que tu contratou casamento com Jussa.

Tem coragem de negar?

Confirmava-se a desconfiança que o assaltara: paracéis da viúva que transformava promessa de visita, vago início de namoro em compromisso formal de casamento.

 Jussa, diminutivo de Jussara; Zezinha pespegava-lhe o apelido na cara: um insulto, uma bofetada. Segurando as ceroulas, tirou a limpo:
 - Jussa?

 - Jussa Pobre-de-Mim, não me diga que não conhece...

Inda outro dia Fuad Karan teve aqui e me disse: “Sabe, Zezinha, teu Fadul maluqueceu e vai casar com a viúva de Kalil Rabat.”

Fiquei zonza, não acreditei: “Não pode ser, não acredito nisso.”

Mas ele disse que era com certeza, que tu ia ser o novo rei... -  calou-se.

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