Vai me querer ou arrenegar de mim? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 93
- É verdade? Vai cuidar da loja? Tomar
conta de mim?
-Fique descansada. - E mais não disse.
5
Ela viera no interesse de marido,
convenceu-se Fadul ao ouvi- la em desespero. Marido
que pusesse termo ao incómodo do estado de viuvez e assumisse a loja,
garantindo os lucros.
Para conqui stá-lo
jogava cacife alto, apostava o corpo e a honra. Pura sabedoria ou santa
ingenuidade? Lisura ou má fé? Paixão devoradora ou calculado embuste?
Desfalecente, Jussara, nobre e
romântica, proclamava amor à primeira vista:
-Vim
porque desde o dia que lhe vi na feira fiquei desatinada, não tive mais cabeça
pra pensar a não ser em si, feito uma maldita.
Agora estou em suas mãos pra ser feliz ou me
desgraçar de vez.
- Voltou a perguntar: - Vai me querer ou vai arrenegar de
mim?
O momento não era favorável à reflexão,
a tirar a limpo dúvidas, suspeitas, incertezas, menos ainda a assumir
compromissos.
Em lugar de responder à aflita
indagação, prendeu a bugra nos braços, não podia esperar nem um minuto mais.
Ela deu-lhe a boca a beijar, lábios carnudos, sumarentos, língua atrevida,
dentes de morder; ele a percorreu e a atravessou.
Seria resposta positiva aquele afã
desesperado, a doida posse?
Com certeza sim, pois como poderia Fadul
viver daí em diante órfão da respiração, do suor, do perfume, da vertigem de Jussara?
Os corpos engalfinhados, confundidos,
percorreram as areias do deserto, cruzaram as águas do oceano, atingiram o fim do
mundo em ânsia e gozo, duas potências, duas potestades, um potro selvagem, uma
égua em cio.
Quando ao cair da tarde Jussara recompôs
o coque e montou
o cavalo pampa trazido pelo pajem - moleque sestroso e perfumado - Fadul, por fim, comprometeu-se ao beijá-la em
despedida:
-
Daqui a uns dias a gente acerta tudo
em Itabuna.
Antes de sair, Jussara colocara o
derradeiro trunfo sobre a mesa, melhor dito sobre a cama. Enquanto
vestia os farrapos da calça rendada, punha as anáguas e o corpinho, a blusa e a
saia negras, viúva honesta e inconsolável, avisou que o acontecido jamais voltaria
a suceder: quem qui sesse deitar com
ela para praticar a doce e perigosa brincadeira de fazer neném - assim se
expressava, púdica, baixando os olhos - teria antes de levá-la ao padre e ao juiz.
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